segunda-feira, 2 de abril de 2012

É difícil ser Madonna. Mas nunca foi tão fácil

Não é fácil ser Madonna. Significa, por exemplo, ser desafiada a todo momento por cantoras mais jovens e dispostas, que guardam ainda o ar insolente que ela tinha nos tempos de Like a Virgin. Ou ter vendido 300 milhões de discos e trazido tantas inovações para a música e a dança que cada lançamento seu é analisado com muito mais rigor que o aplicado a qualquer outro astro pop. Ou ainda passar quase três décadas quebrando barreiras de comportamento e sexualidade e, aos 53 anos, ter de desfilar ao lado de efebos para confirmar-se como símbolo sexual. Por outro lado, nunca foi tão fácil ser Madonna: num cenário em que cantoras como Katy Perry, Lady Gaga e Britney Spears copiam muito mais o comportamento ousado de Madonna do que seu faro para a música, não é preciso muito esforço para bater as rivais. MDNA, o 12º disco de Madonna, nem é o seu melhor. Mas supera com folga a concorrência.
Madonna produziu o álbum com um time multinacional - o inglês William Orbit, o francês Martin Solveig e o italiano Benny Benassi. Em faixas como Gang Bang, ela flerta com o dubstep, ritmo em ascensão entre as tribos eletrônicas. Outras trazem os raps de Nicki Minaj e M.I.A. (presentes no lendário show da cantora na final do Super Bowl, em fevereiro). Mas Madonna raramente sai de sua zona de conforto: música para dançar, com influências da disco e do pop eletrônico, e baladas. Nessa seara, Falling Free, com teclados climáticos e um arranjo de cordas que prima pelo bom gosto, merece figurar entre as melhores canções de seu repertório.
Para quem já fez uma letra antiaborto (Papa Don¿t Preach) e protestou contra a Guerra do Iraque (American Life), cantar que "garotas só querem se divertir", como ela faz em Girl Gone Wild, pode parecer um retrocesso. Mas essa faceta de tiazinha moderna é sucedida por sete canções rancorosas dirigidas a seu ex-marido, o cineasta Guy Ritchie. "Acorde, ex-mulher/ Esta é sua vida/ Tentei ser sua mulher/ Me diminuí/ E engoli a minha luz", diz ela em I Don¿t Give A. Realmente, não é fácil ser Madonna. Mas ainda é bem melhor do que ser Lady Gaga ou Katy Perry.

A donna da bola

A Madonna o que é de Madonna. Da doidona Britney Spears à doidinha Lady Gaga, sucessivas cantoras têm reclamado seu trono - e não deixa de ser verdade que, hoje, Rihanna ou Katy Perry vendem mais discos do que ela. Não importa: sempre que sobe ao palco, Madonna, rematada dominatrix, espanca as pretensões infantis das concorrentes. Na semana passada, em Indianápolis, ela fez o show do intervalo do Super Bowl, grande final do campeonato dessa luta de gladiadores conhecida como futebol americano. Da concepção ao figurino, foi uma apresentação com aquela costura impecável de elementos díspares que só Madonna sabe fazer: as bandas de fanfarra e as cheerleaders típicas do ensino secundário americano (onde os garotos fazem sua iniciação no esporte) combinaram à perfeição com o figurino Givenchy cheio de referências à Roma antiga. Madonna, como uma Cleópatra futurista, entrou em cena carregada por coadjuvantes trajados de centuriões - citação evidente de Cleópatra, a grande aventura histórico-kitsch estrelada por Elizabeth Taylor em 1963.
Durante pouco mais de doze minutos, Madonna dividiu o palco com malabaristas do Cirque du Soleil, dançarinos, uma banda de fanfarra e um coro gospel. Também cantou com convidados: a dupla LMFAO, o soulman Cee Lo Green e as rappers Nicki Minaj e M.I.A. (Essa última protagonizou o escândalo pueril da noite, mostrando um dedo médio para o público - atitude que não caiu bem com a anfitriã.) Mas os golpes comparáveis em intensidade às pancadas trocadas entre os jogadores do New York Giants e do New England Patriots - os times em disputa na final - foram todos desferidos pela própria Madonna, que enfileirou, de seu repertório inigualável, Vogue, Music, Open Your Heart e Like a Prayer, além de Give Me All Your Luvin¿, faixa de MDNA, o novo disco da cantora, que deverá chegar às lojas no mês que vem. O refrão da nova música, aliás, lembra perigosamente L.O.V.E. Banana, do produtor brasileiro João Brasil; ainda se discute se é um caso de plágio, semelhança casual ou, sabe-se lá, citação. O pocket show foi visto por 114 milhões de pessoas, 4 milhões a mais que na apresentação do Black Eyed Peas no Super Bowl de 2011 - e superior à média da própria partida, que ficou em 111,3 milhões de espectadores. Maior evento esportivo dos Estados Unidos, o Super Bowl é um espaço publicitário caríssimo: cada inserção comercial custa 3 milhões de dólares. O show do meio-tempo já esteve a cargo de artistas como Bruce Springsteen, Paul McCartney, U2 e The Who. Madonna, um ícone sexy, poderia ser uma escolha arriscada para um evento tão "família" (ainda mais depois do escândalo da exibição "acidental" do seio de Janet Jackson, no show de 2004). Mas ela soube adequar a mensagem ao público, sem perder a ousadia. A loura joga um bolão.