quarta-feira, 9 de julho de 2008

Doutora em MPB

No mês passado, a Berklee College of Music, uma das principais instituições culturais americanas, concedeu o título de "doutor" a algumas personalidades do meio musical. Entre os agraciados estavam o compositor canadense Howard Shore, Oscar de melhor trilha sonora de 2001 e 2003 pelos temas de O Senhor dos Anéis; Philip Bailey e Maurice White, integrantes do grupo Earth Wind & Fire; e a cantora baiana Rosa Passos. Rosa, que está lançando o disco Romance, é uma das raras intérpretes brasileiras que de fato fazem sucesso no exterior. "Meus discos são fonte de pesquisa dos estudantes e professores de Berklee", diz. O sucesso dessa artista de 56 anos não se resume ao campus. Ela coleciona elogios de astros do primeiro escalão, como o baixista de jazz Ron Carter e o violoncelista erudito Yo-Yo Ma ("Rosa tem a voz mais linda que ouvi", diz). O jornal The New York Times e a revista The New Yorker elogiam seus trabalhos, rotulando-a como "João Gilberto de saias". "Gosto do título, mas meu trabalho não se resume a cantar músicas de João." O sucesso de Rosa no exterior ainda não se refletiu no mercado brasileiro. Ela sempre lançou discos por selos pequenos. Além disso, trabalha na fronteira entre dois gêneros envelhecidos – a MPB clássica e o jazz. Mas é preciso prestar atenção quando alguém revisita o repertório tradicional com tanta personalidade, inteligência e força. Rosa não é uma daquelas cantoras que fazem música para estrangeiro ouvir nem uma artista que buscou pateticamente "o sucesso lá fora". Simplesmente, canta bem. Romance é um disco em que técnica e emoção convivem harmoniosamente. E, por mais que as canções tenham sido gravadas por outros autores, ela sempre dá um jeito de adaptá-las ao seu universo. É o que acontece com Atrás da Porta. Para muitos, a versão definitiva da canção de Francis Hime é aquela gravada em 1972 por Elis Regina, cujo canto desesperado foi imitado por outras intérpretes. Rosa a transforma numa outra canção. Sua Atrás da Porta é mais contida, porém não menos sofrida. "Eu torturo a banda, quebro a cabeça. Mas não aceito copiar uma fórmula." Rosa despontou em 1972, quando foi vencedora de um festival de música. Em 1979, lançou o primeiro disco. E então passou doze anos sem pisar no estúdio, cantando esporadicamente. Dedicou-se a criar os filhos em Brasília, para onde se mudou com o marido, Paulo Sérgio Passos, funcionário público de carreira que se tornou ministro dos Transportes nos meses finais do primeiro mandato do presidente Lula. "Meu marido é um sujeito honesto e trabalhador. Isso é o máximo que falo sobre política", diz a cantora. Rosa educou os filhos e sobreviveu à aridez de Brasília. Em 1993, gravou o CD Festa – que começou a espalhar seu nome pelo mundo. Romance está nas primeiras posições da parada de jazz dos Estados Unidos. Espera-se que essa cantora singular finalmente seja reconhecida no Brasil.

Doutora em MPB

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Do jeito que o diabo gosta

Recentemente, o pastor Al Green, de 62 anos, pregava na igreja Full Gospel Tabernacle, em Memphis, Estados Unidos. Momentos depois de descer do púlpito, foi abordado por um casal de meia-idade, que afirmou que ele era o responsável por sua felicidade conjugal. Mas o sermão de Green, por melhor que seja – e é –, não tem nada a ver com aquilo. Na verdade, marido e mulher foram influenciados pelo alto teor de romantismo e sexualidade presentes em Let’s Stay Together, Love and Happiness e Tired of Being Alone, músicas que ele gravou na década de 70 e que lhe renderam o epíteto de “fazedor de bebês”. “Não sei como nunca conheci alguém chamado Let’s Stay Together da Silva”, diz Green. O cantor está lançando Lay it Down, seu quinto álbum de material secular depois de se dedicar por treze anos ao mercado gospel. É seu melhor lançamento desde então: Green trabalhou ao lado de astros como a cantora Corinne Bailey e o baterista Ahmir ?uestlove Thompson e compôs onze ritos de acasalamento, à altura de sua produção da década de 70. “Descobri que é isto o que o Senhor quer de mim”, confessa.
Na música negra norte-americana, existe uma tênue divisão entre religião e sexo. Os maiores artistas desse gênero surgiram em igrejas, cantando músicas para o senhor. Com o passar do tempo, eles descobriram que a mesma devoção utilizada para arrebanhar fiéis poderia ser também usada para conquistar fãs – principalmente do sexo feminino. O caso mais emblemático é o de Sam Cooke, ex-artista gospel que se tornou ícone da soul music. O pioneirismo de Cooke não se restringiu ao modo de cantar. Sua postura de palco, que variava do romântico ao libidinoso, também foi adotada pelos artistas de gerações posteriores – Marvin Gaye e Al Green são herdeiros do gestual do cantor. Mas existe um elemento trágico na história de cada artista que muda seu objeto de devoção. Cooke foi assassinado em 1963, num mal explicado caso de estupro. Gaye se arrependeu tanto de ter trocado Deus pelo sexo que se transformou num artista amargo e viciado em drogas e que morreu abatido a tiros pelo próprio pai, em 1984 – que era pastor mas adorava sair às ruas vestido de mulher. O lado anedótico fica por conta do roqueiro Little Richard. Extravagante ao extremo e homossexual não assumido, Richard virou pastor depois de sobreviver a um acidente de avião em 1957 (caso sobrevivesse, ele prometeu que abandonaria o showbiz). Richard quebrou a promessa cinco anos depois – e até agora passou incólume pela ira divina.
Nascido no estado americano de Arkansas, Green também começou a carreira como artista gospel. Aos nove anos de idade ele formou, ao lado dos seus irmãos, o conjunto vocal Green Brothers. Sete anos depois, o cantor descobriu o rhythm’n’blues. Green foi um dos artistas de música negra mais bem-sucedidos da década de 70. Os vocais em falsete e as letras eróticas são algumas das marcas registradas desse período. Mas em 1974, uma tragédia fez com que Green repensasse sua vida. A ex-namorada do cantor jogou um balde de minguau quente em suas costas e matou-se logo em seguida. Green evita falar do assunto nas entrevistas que concede à imprensa, porém não economizou detalhes na sua autobiografia, lançada há oito anos. “Eu passava as mãos nas minhas costas e arrancava pedaços da minha pele. Foi uma dor indescritível”, confessa. Para Green, o acidente foi um sinal divino. Ele comprou uma igreja na cidade de Memphis e aos poucos foi se afastando do mundo do entretenimento.
A volta aos palcos, segundo Green, também se deu por vontade divina. “O Senhor sabe que eu sempre cantei o amor. E seu eu posso falar do amor que sinto por Ele em minhas canções por que não haveria de cantar o amor entre um homem e uma mulher?”, diz. O fato de Thompson, baterista e produtor de Lay it Down, ser um artista ligado ao hip hop, não o incomodou. “Eu usei um método pouco religioso, mas eficaz”, brinca. “Usei meu relógio e o hipnotizei. Dizia: ‘você vai deixar aquela batida de hip hop de lado e fazer um disco igual aos meus trabalhos da década de 70...’ Funcionou!” Por mais que careça de boas letras – Nate Chinen, crítico do New York Times, observou que a palavra life (vida) sempre rima com wife (esposa) –, o disco é uma bela viagem à soul music da década de 70. Além disso, os duetos de Green com Corinne Bailey Rae (em Take Your Time) e Anthony Hamilton (em You’ve Got the Love I Need) são mostras de como Green foi uma influência presente na nova geração de artistas da música negra - que tenta, em vão, emular seus preciosos falsetes. “O disco irá unir novos casais e criar novos bebês, pode estar certo. Quem sabe daqui a alguns anos iremos conhecer um Lay it Down da Silva”...

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Um gosto a adquirir

A música de Anton Bruckner (1824-1896) é um gosto que se adquire com algum esforço. Compositor do período romântico, ele não surge nas salas de concerto com a mesma freqüência que o alemão Brahms ou o russo Tchaikovsky – para ficar em dois de seus contemporâneos. São raras as orquestras que programam suas sinfonias e mais raros ainda os grupos sinfônicos que excursionam com um repertório baseado nele. Aqueles que se convertem à sua obra, contudo, expressam devoção. "Virei maestro para poder reger Bruckner", diz Daniel Barenboim. À frente da Staatskapelle Berlin, o regente argentino comandará um evento inédito no cenário erudito brasileiro (e raro, como se disse, em qualquer outro lugar): uma "semana Bruckner". De 25 a 27 de maio, a orquestra alemã vai executar a Sétima, a Oitava e a Nona sinfonias do compositor austríaco (as récitas trarão ainda trechos de duas óperas de Wagner e duas obras de Schoenberg). Coube à Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) cuidar do prato de entrada: de quinta a sábado, ela vai apresentar a Sétima Sinfonia (no domingo, toca a mesma peça no Rio de Janeiro). "Será um banquete", afirma Barenboim.
As sinfonias de Bruckner são longas, densas, lineares – o que por vezes torna extenuante a sua audição. Tome-se o caso da Nona Sinfonia. Seus três movimentos (o autor morreu antes de completar o quarto e derradeiro movimento) duram mais de uma hora. "Todos devem ter o direito de ir e vir durante a execução de uma obra de Bruckner", ironizou certa vez o crítico americano Alan Rich, concedendo um habeas corpus ao ouvinte. Em compensação, quem dá tempo a essa música cheia de camadas e detalhes alcança uma experiência ímpar. "Nas mãos de um bom regente, as sinfonias são belas e repletas de religiosidade, como uma catedral gótica", diz o crítico inglês Norman Lebrecht. De fato, poucos momentos na música são tão solenes e belos como o adágio da Sétima Sinfonia (dedicada a Richard Wagner, grande ídolo de Bruckner, e infelizmente utilizada pelos nazistas para anunciar a morte de Hitler) ou as trompas do primeiro movimento da Oitava Sinfonia.
Para as orquestras, o desafio de tocar Bruckner não está em complicações rítmicas nem em passagens rápidas. Está na altíssima exigência de entrosamento e maturidade. Os naipes têm de possuir um pensamento único em relação às dinâmicas, expressões e cores. "Uma apresentação imperfeita cria caos no palco e na platéia", diz o oboísta e maestro Alex Klein, que cansou de tocar Bruckner na Sinfônica de Chicago sob o comando de Barenboim. Esse, por seu turno, aponta outro tipo de dificuldade na execução das obras do austríaco. "Ele é um artista intrigante. A Quinta e a Oitava sinfonias, por exemplo, possuem harmonias típicas do século XIX, uma estrutura do período barroco e uma atmosfera de música medieval", afirma.
Por muitas décadas, Bruckner foi uma espécie de segredo dos austríacos e alemães. Só começou a ser assimilado pelas platéias do resto do mundo durante a II Guerra. Nesse período, regentes como Bruno Walter e Otto Klemperer fugiram do nazismo e levaram o repertório do compositor na bagagem. Barenboim pertence ao quadro dos brucknerianos de alta patente, que não são muitos. Por duas vezes, ele gravou as nove sinfonias do autor. A primeira foi entre as décadas de 70 e 80, com a Sinfônica de Chicago. A segunda, nos anos 90, com a Filarmônica de Berlim. Mas a Staatskapelle Berlin, diz Barenboim, propicia uma nova visão do trabalho do austríaco. "Como eles estão acostumados a tocar ópera, ressaltam de maneira incomum similaridades e pontos de contato com a música de Wagner", explica. "Em certas passagens da Nona Sinfonia, eu me sinto como se estivesse em Bayreuth, o grande centro do wagnerismo, regendo Parsifal." O ouvinte, tomara, estará no paraíso.

Glad to Be gay

Confesso que não achei lá essas coisas a apresentação do cantor e compositor canadense Rufus Wainwright em São Paulo. Shows de voz e piano exigem um exímio instrumentista e um cantor acima da média - Wainwright não é uma coisa nem outra. Sim, é muito engraçado, faz piadas o tempo todo, o que nos faz lembrar os entertainers do showbiz americano. Mas depois de meia-hora, esse excesso de piadas dá sinais de cansaço. A entrevista, porém, foi uma das mais engraçadas eu que já fiz. Ei-la:

Veja – A cantora canadense Diana Krall declarou recentemente que o senhor é um dos últimos bastiões da música popular americana. O que o senhor acha dessa responsabilidade?
Em primeiro lugar, Diana Krall é uma fofa. Amei o que ela disse. Creio que a minha missão é recuperar a qualidade da música americana, que nas últimas décadas andava muito estagnada. Sou um compositor moderno, mas as minhas inspirações datam do final do século passando, quando artistas como Cole Porter e Irving Berlin davam as cartas no cenário musical.

Veja – No final do ano passado, o senhor lançou um disco em que recriou uma apresentação da cantora Judy Garland de 1956. O álbum faz parte dessa tentativa de recuperar a música americana?
Sempre fui fã de Judy Garland. Nos meus melhores dias, sonhava em ser a Dorothy de O Mágico de Oz. Nos piores, queria mesmo ser a Bruxa Má do Oeste. O que me encanta naquele disco, além do repertório é que Judy estava completamente drogada quando gravou o disco – ou seja, é um milagre que tenha saído tão bom.

Veja – Na época houve boatos que Liza Minelli, filha de Judy, participaria da apresentação – o que acabou não acontecendo? Por que ela desistiu?
Liza Minelli é bastante sensível a tudo que envolve a mãe. Mesmo porque existia uma competição entre elas. Liza soube do projeto, ficou horrorizada e evitou qualquer contato comigo. O que foi ótimo, sabia? Vai que ela topasse participar, desse um piti e saísse no meio da apresentação...

Veja – Em suas apresentações, o senhor costuma encarnar como poucos a figura do entertainer – canta, toca, dança, conversa com o público. Concorda que é uma arte que anda em falta no cenário pop?
Sim, claro. Mas veja bem, meu querido, venho de uma família de músicos. Minhas refeições, roupas, meu estilo de vida, dependiam do que eles conseguiam trazer para casa. Posso afirmar que as apresentações deles valiam cada centavo gasto pelo público. As minhas também, apesar de cometer alguns erros de vez em quando. Mesmo assim, o público me adora. Talvez o erro me torne mais humano...

Veja – O senhor preparou algo especial para as suas apresentações no Brasil?
Desde que eu disse “sim” para o Brasil, tenho feito um curso sobre o país. Conversei com Bebel Gilberto e Paula Lavigne, duas grandes amigas minhas, e tenho estudado música brasileira. Mas nada irá se comparar com a emoção de ver os brasileiros ao vivo e em cores. Vocês são tão bonitos, tão gentis... tão perigosos!

Veja – Tudo bem, mas o senhor poderia dizer algo sobre o repertório?
Vou tocar piano e serei acompanhado pela minha irmã, a cantora e compositora Martha Wainwright, e minha mãe, a cantora Kate McGarrigle. O repertório será baseado nos meus discos, releituras, e algumas coisas do meu próximo CD, que será gravado na base de piano e voz. Seria algo como Rufus Wainwright nu e cru. Pensando bem, acho que irei tocar sem roupa!

Veja – O senhor já declarou que sente inveja do talento de sua irmã, Martha Wainwright. Por que então está trazendo ela ao Brasil?
Porque ela é muito talentosa! Dentro de mim, existe um ser mesquinho e egomaníaco, que tem inveja do que ela escreve, do talento dela como cantora... Por outro lado, dentro de mim existe um ser generoso que torce pela irmã. Foi minha personalidade boazinha que a convidou.

Veja – Como anda o seu projeto de escrever uma ópera?
Está a todo vapor. Ela irá se chamar Prima Donna e irá contar um dia na vida de uma diva do canto. Mas não, querido, eu não irei interpretar a prima dona. Penso em cantoras mais experientes, como a finlandesa Karita Matilla e a americana Deborah Voight. Estou cuidando de tudo – da partitura ao libreto.

Veja – O senhor está mostrando uma empolgação incomum com o povo brasileiro. Por acaso irá trazer o seu namorado?
Ele não virá. Graças a Deus! Mas que maldade, eu sou um menino bonzinho e apaixonado. E prometi me comportar.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

A ópera do roqueiro

Às 14 horas da terça-feira passada, o músico inglês Roger Waters chegou ao Teatro Amazonas, em Manaus, com um bom repertório de vivências "típicas" da região. Ele havia pescado tucunarés. Havia feito passeios de barco para nadar com botos e avistar macacos. E também tinha apreciado um pôr-do-sol no Rio Negro, com um copo de gim-tônica nas mãos. Faltava descobrir o peculiar senso de tempo dos amazonenses, assim descrito pelo romancista Milton Hatoum, nativo do estado: "O fluxo do tempo é tão lento que a vida pode se arrastar sem pressa". Ansioso para conferir detalhes da montagem de sua ópera Ça Ira, Waters não encontrou ninguém no teatro. Só depois de vinte minutos, pontuados por bufos e imprecações ("Bastards!"), ele pôde se enfurnar numa sala ao lado do palco, de onde testou uma série de efeitos sonoros. Bem mais ao seu gosto foi a pontualidade com que, naquela noite, aconteceu a estréia do espetáculo. Às 20 horas, o músico subiu ao palco e agradeceu às autoridades do estado, em português, pela iniciativa de produzir Ça Ira. Estava aberto oficialmente o 12º Festival Amazonas de Ópera. A esta altura, o leitor talvez esteja perguntando: Roger Waters? Sim, é ele mesmo, o baixista do Pink Floyd, uma das bandas de rock mais cultuadas de todos os tempos. Ça Ira (algo como "agora vai") é uma parceria de Waters com os compositores franceses Étienne e Nadine Roda-Gil. Em 1988, eles apresentaram ao roqueiro um libreto que mostrava a história da Revolução Francesa contada por uma trupe de circo. De acordo com Waters, o presidente francês François Mitterrand teria adorado a idéia e queria apresentá-la na Ópera da Bastilha no ano seguinte, durante as comemorações do bicentenário da revolução. Uma série de problemas impediu que isso acontecesse, mas Waters não desistiu. Sete anos depois, retomou a idéia. Como não sabia escrever para orquestra, lançou mão de um programa de computador que lhe permitia simular o toque de cada instrumento. Depois, chamou o maestro inglês Rick Wentworth para dar forma final a suas idéias musicais. "Rick dizia: ‘O solo de oboé é lindíssimo, mas o instrumento não pode soar tão alto, caso contrário o oboísta estaria com os lábios sangrando depois de tocá-lo’.", conta Waters. O Festival Amazonas de Ópera já se consagrou como um dos principais eventos do mundo erudito brasileiro. Traz espetáculos de excelente nível, comandados pelo maestro Luiz Fernando Malheiro e pela Amazonas Filarmônica. Entre as óperas já apresentadas em seu palco, e antes inéditas no Brasil, contam-se, por exemplo, a tetralogia O Anel dos Nibelungos, do alemão Richard Wagner, e Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, do russo Shostakovich. Em novembro passado uma produtora de São Paulo procurou o diretor Caetano Vilela. Disse que tinha adquirido os direitos de Ça Ira e gostaria que ele ajudasse a montar o espetáculo no Brasil. Vilela, que há dez anos trabalha no festival de Manaus, resolveu aproveitar a oportunidade para dar um toque "pop" ao evento. O objetivo foi cumprido. Fãs do ex-grupo de Waters compareceram em peso. A paranaense Elzira Miotto, de 61 anos, gastou 1 600 reais e viajou por nove horas para assistir ao espetáculo do seu ídolo. "Pink Floyd foi a minha redenção. Eu tinha um casamento infeliz e fui salva pelos temas de The Wall", diz ela, que assistiu às montagens de Ça Ira em Roma e na cidade polonesa de Poznan, e ainda pretende vê-la em Amsterdã. Mas, como observou o colunista Rogério Pina no jornal A Crítica, de Manaus, a audiência era bem mais variada – "um eclético mix que ia de senhorinhas tradicionais a roqueiros curiosos pelo novo trabalho do pink floyd Roger Waters e muitos gays, público chegado a um espetáculo do tipo". Quando informaram a Luiz Fernando Malheiro que deveria reger uma ópera de Roger Waters, ele não entendeu quem era o compositor. A menção à antiga banda de rock do compositor não ajudou muito. "Pink Floyd? Acho que meu irmão tem discos deles", disse a um dos organizadores do evento. Ao descrever Ça Ira, contudo, Malheiros foi diplomático: afirmou que se trata de "uma obra fácil de conduzir". Alguns integrantes da Amazonas Filarmônica foram bem menos condescendentes. De fato, é uma licença descrever Ça Ira como ópera. O espetáculo está mais para um musical da Broadway – gênero que Waters afirma detestar. Não por acaso, os destaques do espetáculo são artistas que tinham certa experiência em musicais. É o caso do barítono brasiliense Leonardo Neiva, que trabalhou numa montagem de Les Misérables no Brasil e no México, e da soprano belenense Carmen Monarcha, parceira do holandês André Rieu (uma espécie de Kenny G do violino). Faltam à peça de Waters uma melodia mais bem estruturada e árias marcantes (a exceção é The Letter, defendida com galhardia por Leonardo Pace). Algumas seqüências são esdrúxulas – a boa cantora Gabriella Pace, por exemplo, passa dois atos inteiros a dar gargalhadas na pele de Maria Antonieta. Só é redimida na cena final, quando pode mostrar sua bela voz. Os amantes do Pink Floyd podem até gostar de Ça Ira, que terá novas récitas na terça e na quinta-feira. Mas os fãs de ópera certamente jamais se interessarão por Pink Floyd se forem submetidos à obra de Roger Waters.

"Os críticos até foram bonzinhos"
Como começou seu namoro com a música erudita? Sempre gostei de música erudita. Puccini é um dos meus autores prediletos, adoro a maneira como ele expõe o drama de seus personagens. Porém, só comecei a entrar definitivamente nesse mundo em meados da década passada, quando passei a freqüentar as salas de ópera em Londres. Um dos meus amigos era patrocinador de espetáculos e me fazia sentar bem no centro da orquestra. Dali pude observar os músicos e os detalhes de cada composição.
Os críticos de música erudita geralmente não aceitam as incursões de artistas do rock e do pop nesse gênero musical. Como o senhor reage a essas críticas? Os críticos de ópera até que foram bonzinhos. Uns disseram que as melodias eram muito óbvias. Outros criticaram o fato de eu compor uma ópera do período romântico, quando deveria criar algo mais contemporâneo. Mas o que eu posso fazer? Sinceramente, não me emociono com a música de um compositor como Harrison Birtwistle, que cria obras com precisão matemática. Jamais faria algo desse tipo. Agora, todo mundo tem o direito de escrever o que quiser. Só não me peçam para acatar as sugestões.
O senhor espera que os fãs do Pink Floyd comecem a ouvir ópera por causa de Ça Ira? Sei lá. Talvez dez ou doze pessoas comecem a pesquisar música erudita depois de experimentar a minha obra.
Já foi dito que o tema principal de O Fantasma da Ópera, de Andrew Lloyd Webber, foi roubado de Echoes, canção do Pink Floyd. O senhor vê alguma semelhança entre as canções? Com certeza. Aliás, fui processado por causa disso. Odeio a música de Andrew Lloyd Webber, nunca tive um disco dele em casa. Mas certa vez aluguei uma casa de veraneio e o antigo locatário havia deixado a trilha de O Fantasma da Ópera no local. Quando escutei, tomei um susto porque o tema principal é muito parecido – para não dizer outra coisa – com Echoes. Um dia, fiz a besteira de declarar isso a um jornal inglês e fui processado por Webber! Ele alegou ter-se "inspirado" num compositor erudito já falecido e não no Pink Floyd. Eu fiz uma retratação e nunca mais toquei nesse assunto. Até você perguntar...
O senhor vive em Manhattan. Tem algum candidato para as eleições americanas? Sou um grande fã de Barack Obama. É um sujeito especial. Você consegue encará-lo e acreditar em cada palavra que ele diz. Não acredito em nada do que a Hillary Clinton diz, acho que ela é uma maluca e faminta de poder. Não existem diferenças entre ela e o candidato republicano John McCain, ambos querem bombardear o Irã. Barack Obama, para mim, é mais que uma falsa promessa.
A história do Pink Floyd renderia um bom libreto de ópera? Sinceramente, essa história não me interessa. Se alguém quiser contar, pode seguir em frente.

Elas ficam caidinhas

Como conquistador, o jornalista americano Neil Strauss era um grande crítico de música. Trabalhava na redação do jornal The New York Times, colaborava com a revista Rolling Stone e tinha projetos paralelos como uma biografia apimentada do cavernoso cantor Marilyn Manson. Sua vida amorosa, no entanto, era um desastre completo. As mulheres o viam como amigo, nunca como amante em potencial. A gota d’água aconteceu quando Strauss acompanhava uma excursão do Mötley Crüe, grupo que promovia orgias capazes de enrubescer Calígula, e o máximo que recebeu foi um beijo... dado pelo baterista da banda. Ele decidiu então gastar 500 dólares no curso ministrado por um tal de Mystery (cujo site pode ser encontrado na internet) para aprender como seduzir o sexo oposto. O resultado da experiência é narrado em detalhes – e com doses certamente altas de ficção – em O Jogo (tradução de Mauro Pinheiro; Best Seller; 488 páginas; 49,90 reais), que chega às livrarias nesta sexta. O Jogo é um misto de autobiografia, romance e livro de auto-ajuda. Strauss conta como se transformou em Style, garanhão que conquistou mais de 100 mulheres, contra as sete de sua encarnação anterior. Para atingir seu objetivo, ele raspou a cabeça, tomou um banho de loja, clareou os dentes e mentiu sobre sua profissão – "são raras as mulheres que saem com jornalistas", alega (e tem toda a razão). Além disso, aprendeu a se aproximar das moças com a cantada perfeita (veja a fórmula no quadro abaixo). A melhor delas é o que ele chama de neg, que consiste em ignorar ou depreciar a pessoa desejada – é uma espécie de esnobada com estilo. "Funciona no mundo inteiro, pode testar", disse, em entrevista a VEJA, com uma convicção de guru de auto-ajuda. Style narra as caçadas dele e de seus companheiros – que ganharam apelidos esdrúxulos como Herbal, Papa e Playboy – pelas noites de Los Angeles, e descreve cenas de sexo com precisão científica. Perto do fim, O Jogo cede ao bom-mocismo. Style percebe que seus amigos são, no fundo, pessoas carentes e que tudo o que ele mais queria era uma namorada fiel. Porém, antes de chegar a essa conclusão, Style, ou melhor, Strauss, revela histórias de bastidores com personalidades como o ator Tom Cruise. Ele quis ser entrevistado pelo jornalista depois de ler um de seus artigos sobre sedução. No fundo, o que Cruise queria era levar mais um adepto para a cientologia. "Rezamos por igrejas diferentes", afirma Strauss. O sucesso de O Jogo transformou Neil Strauss em uma celebridade. Ele já lançou mais um livro sobre sedução e vendeu os direitos de O Jogo para o cinema. Recentemente, os seriados Ugly Betty e CSI: Miami criaram personagens baseados em Style. Tanta técnica, no entanto, não o livrou de alguns reveses. De acordo com alguns sites de fofoca, a moça que ele tinha como amor de sua vida o trocou pelo cantor Robbie Williams. "Tudo bem, tenho outra namorada", diz o escritor. No mundo de O Jogo, o que importa é faturar.

Ganhe todas
As táticas do neogaranhão, segundo Neil Strauss
1. Nunca a encare. Faça como Robert Redford no filme O Encantador de Cavalos – chegue de lado e suavemente 2. Se tiver de encará-la, nunca o faça por mais de três segundos. Senão, vai perder a coragem 3. Sempre comece a conversa com frases tolas como "Você viu aquelas duas meninas brigando?" ou "Você acredita em mágica?". Isso vai quebrar o gelo 4. Use o neg. É uma tática que consiste em esnobar o objeto de desejo, de modo a reduzir sua auto-estima. Diga frases do tipo: "Que unhas bonitas! São de verdade?" 5. Sempre use o sorriso do macho alfa – aquele que causa a impressão de que, além de divertido, você é alguém na vida

Na trilha de Carmen Miranda

Desde 1939, quando Carmen Miranda estrelou a revista musical Streets of Paris com a dupla de comediantes Abbott & Costello (de quem logo roubaria a cena), nenhum brasileiro alcançou o feito do barítono Paulo Szot num palco da Broadway, em Nova York. Desde o início do mês, o cantor paulista de 38 anos é o protagonista da nova versão de South Pacific, da dupla Rodgers & Hammerstein. A versão original do musical ficou em cartaz de 1949 a 1954 – e tornou-se um dos shows mais celebrados na história da Broadway. A crítica reservou elogios especiais a Szot. Ben Brantley, do The New York Times, definiu o barítono como "charmoso" e chamou atenção para a "química intensa" entre Szot e Kelli O’Hara, sua parceira de cena. South Pacific fala do romance entre um fazendeiro francês, Emile de Becque, e uma enfermeira americana numa ilha da Polinésia. O romance desanda quando vem à tona que Emile tem filhos mestiços, nascidos do relacionamento com uma nativa. Szot tem um currículo respeitável como artista de ópera. Nascido em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, mudou-se para a Polônia aos 18 anos a fim de estudar canto. Trabalhou quatro anos na Companhia Estatal de Canto Slask, do Grande Teatro de Varsóvia. "Peguei o final do comunismo. Tinha de entrar numa fila imensa para ganhar tíquetes que valiam sabão e comida", lembra-se. De volta ao Brasil, foi protagonista de produções como Don Giovanni, de Mozart, e O Barbeiro de Sevilha, de Rossini. Szot tem uma carreira internacional ascendente. Em Nova York, já trabalhou em cinco grandes produções, com destaque para Carmen, de Bizet. Em abril do ano passado, Szot recebeu uma ligação de seu agente, perguntando se não estaria interessado em fazer testes para South Pacific. Foi um convite inesperado. A Broadway não é muito receptiva a cantores estrangeiros. Além disso, há desconfiança recíproca entre o mundo erudito e o dos musicais populares. Szot conta que muitos de seus colegas torceram o nariz ao saber que ele ia tomar parte nos testes para South Pacific. "Sim, claro que South Pacific é música popular. Mas da melhor qualidade, e foi isso que levei em conta", diz o barítono. Ele também teve de enfrentar o ceticismo dos profissionais da Broadway, que costumam fazer pouco das habilidades cênicas dos cantores líricos. Ao fim, Szot não apenas venceu as provas de canto e interpretação como também testou as candidatas a Nellie Forbush, par romântico de seu personagem. Todas as atrizes que fizeram o teste ao seu lado choraram depois de ouvi-lo cantar Some Enchanted Evening, ária do musical que se tornou um standard do cancioneiro americano. Ou, ao menos, é essa a história que se conta nos bastidores. No momento, a maior preocupação de Szot é agüentar o ritmo das apresentações. A Broadway exige mais dos cantores, que sobem ao palco oito vezes por semana – contra três récitas semanais num teatro de ópera. South Pacific deve ficar em cartaz até janeiro de 2009. "É como se de repente eu tivesse passado a competir no decatlo", diz Szot. "Vou agüentar. Mas terei de treinar bastante."

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O riso nosso de cada dia

Na terça-feira passada, o ator Marco Luque dava entrevista a VEJA no saguão do Avenida Club, uma casa de espetáculos de São Paulo, quando foi abordado por duas senhoras. "Hoje tem motoboy, né?", perguntaram. Luque respondeu que sim e duas horas depois estava no palco, devidamente trajado como o motoqueiro Jackson Five. Saudado com uma explosão de gritos e aplausos pela platéia lotada, Jackson expôs sua filosofia: "As avenidas são as artérias, as ruas são as veias e nóis é o quê? Nóis é lactobacilo vivo!". Ele é um dos grandes sucessos do Terça Insana, um dos mais longevos e aclamados espetáculos de humor do país. No mês passado, o Terça Insana deu início à sua sétima temporada. A trupe composta por Grace Gianoukas, Roberto Camargo, Agnes Zuliani, Guilherme Uzeda e Marco Luque estreou O Povo Brasileiro, show com catorze quadros inspirados – de maneira amalucada – nos escritos do antropólogo Darcy Ribeiro. Personagens já clássicos, como o boleiro aposentado Esquerdinha, se alternam com novos, como Cardeal & Arcoverde, dois japoneses que cantam sertanejo, e a princesa Carlota Joaquina. O sucesso do Terça Insana não é difícil de explicar. Ele leva ao palco um certo "humor de caracterização", velho conhecido do público brasileiro. É a mesma comédia calcada numa galeria de tipos ou personagens que, na televisão, se pode ver em programas como Zorra Total ou A Praça É Nossa. A diferença está no texto – mais sutil e avesso a descambar para a piada chula. Grace Gianoukas dirige e cuida da redação final. Suas diretrizes estão registradas num texto que ela manda para atores que aspiram a tomar parte no espetáculo. Não são aceitas, por exemplo, imitações de famosos, piadas com minorias e novas versões de personagens que já passaram pelo show. "Octávio Mendes fazia uma freira ótima. Por que eu quereria outra?", diz, referindo-se à Irmã Selma, personagem que Mendes defendeu de 2001 a 2006, antes de se desligar do Terça Insana. A vigilância de Grace é exercida mesmo sobre quadros que já estão no palco há tempos, e com sucesso. A própria Irmã Selma teve de abandonar uma de suas tiradas. "Sempre defendi que o humor é a melhor arma contra o preconceito. Mas Grace achava uma certa anedota preconceituosa e insistiu até que eu a deixei de fora", conta Mendes. O Terça Insana nasceu no fim de 2001. Grace, veterana do cenário alternativo na São Paulo da década de 80, foi convidada a ocupar o N.Ex.T. (Núcleo Experimental de Teatro), misto de clube e teatro localizado no centro da cidade. Ela chamou seus amigos mais próximos, os humoristas Marcelo Mansfield, Roberto Camargo, Octávio Mendes e ainda Marcelo Médici, um ator que vinha se destacando no cenário humorístico, e montou o Terça Insana. Muitos dos personagens eram conhecidos do público que acompanhava a carreira de Grace, Mansfield e Mendes – como Aline Dorel, musa do cinema viciada em Lexotan. Em 2003, a trupe se transferiu para o Avenida Club. A formação atual vem de 2006. Grace pinçou o elenco em meio a dezenas de atores que atuaram como convidados especiais do espetáculo. Cada um tem sua peculiaridade. A paulistana Agnes Zuliani tem influências da stand-up comedy, um tipo de humor popular nos Estados Unidos, no qual o comediante enfrenta a platéia de pé, munido apenas de um microfone. Não por acaso, os melhores momentos de Agnes acontecem quando ela dá vazão a essa veia, como no A Mal Amada. Uzeda e Luque, por seu turno, tinham outras profissões antes de se descobrirem comediantes. O paulistano Uzeda trabalhou como psicólogo para manter a tradição familiar e de vez em quando atuava em peças infantis. Um dia, uma paciente o viu caracterizado como o caçador da Branca de Neve. "Eu fazia um caçador meio bronco e ela achou que não dava mais para ser analisada por mim", diz. Uzeda largou a psicologia e foi atuar em peças e humorísticos até ser descoberto por Grace. No Terça Insana, arranca gargalhadas do público na pele do palestrante Luis Otavio e do caipira Vicente, fã de heavy metal e contador de causos. O também paulistano Marco Luque é um ex-jogador de futebol. Foi centroavante do Santo André e atuou em duas equipes da segunda divisão do futebol espanhol. Hoje interpreta dois dos personagens mais populares do Terça Insana – Jackson Five e Silas Simplesmente, um taxista que só transporta pessoas famosas. No início de março, Luque levou os causos de Jackson para a Mix FM. O clima nos bastidores do Terça Insana é alto-astral. Grace é hiperativa e lembra muito os tipos que leva para o palco. Uzeda e Luque são descontraídos, ao passo que Camargo e Agnes são mais caladões. O maquiador Eliseu Cabral é uma espécie de consultor informal da trupe. "Eu dou palpites sobre os personagens e ajudo a passar o texto", diz ele. Após cada quadro, é comum que os humoristas avaliem seu desempenho ao lado dos companheiros de elenco. "As piadas do índio agradaram, mas eu não posso rir quando ele diz que foi ao Parque Trianon e aceitou uma carona de um diretor de teatro", observou Camargo ao sair do palco na semana passada (o Trianon, à noite, é reduto de garotos de programa em São Paulo). O sucesso dos personagens rende convites de emissoras de TV e rádio. "Eu já fui convidado duas vezes para fazer o Zorra Total, mas a minha prioridade é o Terça Insana", diz Luque. Uzeda recusou um convite para estrelar uma série de comerciais de cartão de crédito. "Quero ser conhecido pelos meus quadros, não pelo cartão", afirma. É um bom negócio participar do Terça Insana. O elenco divide algo em torno de 30 000 reais por apresentação no Avenida Club e faz ao menos oito shows por mês em outros palcos, com idêntico cachê. Ainda neste ano, serão lançados dois DVDs com os melhores momentos da história do espetáculo. O grupo espera usá-los como cartão de visita para ampliar a agenda de compromissos – sobretudo em outros estados. É como diria Jackson Five: "Nóis se prolifera!".

Quem é quem
1 - Roberto Camargo Ao lado de Grace, é o único remanescente da formação original. Atua como mestre-de-cerimônias, embora tenha personagens que caíram no gosto do público. É o caso do Índio e do modernete Betina Botox 2 - Marco Luque Está há dois anos no elenco. Luque tem dois tipos bastante populares – Silas Simplesmente, um taxista que só transporta gente famosa, e o Motoboy 3 - Agnes Zuliani Especialista em stand-up comedy, arrasa nas personagens A Mal Amada e Senadora Biônica. Atualmente, interpreta Carlota Joaquina e uma brasileira que mora em Miami – e odeia brasileiros 4 - Guilherme Uzeda É outro novato do Terça Insana. Seus tipos mais engraçados são Cardeal & Arcoverde, dupla sertaneja japonesa (que faz ao lado de Luque), o pobretão Zildo e o palestrante Luis Otavio 5 - Grace Gianoukas Criou a atração em 2001 e hoje responde pelo roteiro e pela direção artística do espetáculo. Os personagens mais famosos de Grace são Cinderela, uma traficante de drogas, e Aline Dorel, musa do cinema viciada em Lexotan. Atualmente, interpreta uma professora e uma adolescente revoltada

A primeira geração
Dizer que o Terça Insana serviu de trampolim para veteranos como Marcelo Mansfield e Octávio Mendes seria exagero. Participar do espetáculo, contudo, certamente reforçou o cacife desses comediantes. Mansfield, que integrou o Terça Insana de 2001 a 2005, é a estrela de Nocaute, que estréia nesta semana em São Paulo. "É um show de stand-up comedy, bem diferente do Terça", diz ele. Mansfield também levou um de seus tipos para a televisão. Seu Merda, um maridão passivo, hoje marca presença no Zorra Total, da Rede Globo. Virou Seu Banana (e perdeu parte da graça). Octávio Mendes e Ângela Dip são outros pioneiros do Terça Insana que se lançaram em espetáculos-solo. Eles estrelam Humor de Quinta, ao lado do comediante Sérgio Rabello. Ali, Mendes encarna seus personagens mais famosos, como a Irmã Selma – freira um tanto perversa que trabalha como humorista para realizar o sonho (suspeito no seu caso) de fundar um orfanato. Mendes foi outro que levou um tipo para a televisão. Em A Praça É Nossa, ele é Walmir, um ex-gay. Mas quem aproveitou melhor sua passagem pelo elenco do Terça Insana foi Marcelo Médici, que interpretava o Mico Leão Dourado Gay. Ele saiu do espetáculo depois de uma temporada e, desde então, criou o show Cada um com Seus Pobrema e participou das novelas Belíssima e Sete Pecados, da Rede Globo. No segundo semestre, Médici vai atuar na nova versão de O Mistério de Irma Vap, um dos maiores sucessos de bilheteria da história do teatro no país.

Stones chapa-branca

Dois anos atrás, quando Martin Scorsese anunciou que faria um documentário sobre os Rolling Stones, a crítica se perguntou qual versão da banda chegaria às telas – se a do detalhista Scorsese, que não esconde a intimidade de seus biografados (como em No Direction Home, sobre Bob Dylan), ou a de Mick Jagger, conhecido por controlar a imagem de seu grupo com eficiência stalinista. The Rolling Stones Shine a Light (Estados Unidos/Inglaterra, 2008), que estréia nesta sexta-feira no país, mostra que Jagger venceu a disputa. E sem muito esforço. Fã confesso dos Stones, o diretor se deixou deslumbrar pelo carisma do quarteto e tratou de evitar tudo o que pudesse cheirar a polêmica. É verdade que poucas vezes os Stones foram tão bem filmados. Scorsese registrou duas apresentações da banda no Beacon Theatre de Nova York, em novembro de 2006, com dezesseis câmeras – que capturaram as rugas de Jagger, o rosto talhado a machado de Keith Richards e a eterna expressão de enfado do baterista Charlie Watts. Os fãs que se cansaram da mesmice do repertório dos últimos DVDs dos Stones, além disso, terão motivos para alento. O show inclui várias canções de Some Girls (1978), um dos discos mais saborosos da banda, e a participação especial de Jack White, do grupo White Stripes, da cantora Christina Aguilera e do bluesman Buddy Guy. O diretor também não maquia os defeitos da apresentação. Estão ali as derrapadas de Richards e Jagger – que a certa altura esquece a letra do clássico Sympathy for the Devil. Isso, porém, é o máximo de indiscrição que o filme se permite. Ex-integrantes da banda, como o baixista Bill Wyman e o guitarrista Mick Taylor, são ignorados – talvez porque teriam outras histórias a contar. Em sua defesa, os Stones podem alegar que não têm muita sorte com documentários. Gimme Shelter, de 1970, mostra uma apresentação desastrada do grupo, durante a qual um jovem foi assassinado por seguranças; C***sucker Blues, de 1972, tinha tantas cenas de sexo e drogas (e de baixarias causadas pelo excesso desses dois ingredientes) que foi vetado antes de chegar às telas. Comportadíssimo, Shine a Light não vai além das apresentações ao vivo e de uma ou outra entrevista de arquivo. O único sinal de rebeldia é o piti que Scorsese dá ao saber que o grupo não entregou a lista de canções do show. Para quem fez No Direction Home, é muito pouco.

Por que só dá ela ela ela...

Barbados está fazendo história na música. A ilha caribenha, cuja economia gira em torno do turismo e da exportação de cana-de-açúcar, é terra natal do fenômeno Rihanna. Nos últimos nove meses, a cantora de 20 anos emplacou três hits nas rádios do mundo inteiro: Hate that I Love You, dueto com o cantor Ne-Yo e atualmente a música internacional mais tocada nas FMs brasileiras; Don’t Stop the Music, pop dançante que remete aos melhores momentos de Michael Jackson e Madonna; e Umbrella, a música do guarda-chuva, que ficou em primeiro lugar nos Estados Unidos e na Europa e foi eleita pela crítica como uma das melhores canções de 2007 (certamente é a mais pegajosa, com o refrão "ella, ella, eh... eh... eh..."). Conseqüência natural do sucesso nas rádios, Rihanna também explodiu em vendagem. Seu terceiro CD bateu a marca de 4 milhões de cópias vendidas mundo afora. O título do disco, Good Girl Gone Bad (A Menina Boa Virou Má), não é muito encorajador. A divisão do mundo entre cantoras boazinhas e malvadas já se tornou enfadonha. Felizmente, Rihanna não parece muito inclinada a entrar nesse jogo. Limita-se a cantar o seu bom repertório, esbanjar beleza, divertir-se e divertir. Cinco anos atrás, Evan Rogers, executivo da indústria musical e produtor de ‘NSync e Rod Stewart, passava férias em Barbados quando um amigo o alertou sobre o talento de uma cantora local. Rogers aceitou fazer um teste com a moça e pediu para ela cantar um sucesso do Destiny’s Child, trio americano de R&B. Rihanna cantou a música e agradou. Rogers gravou com ela um CD-teste e passou a oferecer o passe de sua protegida a diversas gravadoras americanas. Ela acabou sendo contratada pela Def Jam, presidida pelo rapper Jay-Z. A estratégia inicial de Rogers e da Def Jam foi vender Rihanna como uma típica artista caribenha. Seus dois primeiros álbuns são calcados na música daquela região, em especial o dancehall (uma mistura de reggae com eletrônica). Para o terceiro disco, Jay-Z optou por transformar Rihanna numa diva da música negra. Foi uma das decisões mais acertadas de sua carreira. Good Girl Gone Bad tem colaboração de nomes do primeiro escalão, como o produtor Timbaland, o cantor Justin Timberlake (que se contentou em fazer vocais de apoio) e o compositor The-Dream. Esse time não apenas compôs os hits radiofônicos como deu a Rihanna credibilidade no meio hip hop – que a via como uma artista fabricada. As outras canções do CD alternam um pop dançante com baladas românticas de letra convencional, que falam de como ela sofre quando briga com o namorado (tema de Hate that I Love You) ou de como apóia seu amor em todos os momentos (Umbrella). Rihanna já enfrentou chuva ácida: alguns boatos deram conta de um suposto caso com Jay-Z – seu patrão e marido da cantora Beyoncé. Certo mesmo é que ela já pôs os atores Josh Hartnett e Shia LaBeouf, felizardos, sob a sua umbrella.

Bob Dylan no palco

Bob Dylan, um dos maiores nomes da música popular do século XX, tem uma relação peculiar com o palco. Suas declarações sobre o assunto são ambíguas – o que não é novidade em se tratando de um artista que nunca fez questão de se justificar. Dylan já disse que cantar por dinheiro diante de uma audiência é uma profissão "apenas um degrau acima da de cafetão". Mas também afirmou que "em diversos momentos da vida só fui feliz no palco". Na falta de uma explicação cabal, resta observá-lo em ação. Vinte anos atrás, ele deu início ao que chama de Never Ending Tour (Turnê sem Fim). Até agora foram mais de 2.000 shows, cerca de 100 por ano, religiosamente. É difícil imaginar outro cantor ou banda de renome semelhante que repita esse padrão: o frenesi das turnês costuma ser intercalado com períodos de descanso. Dylan, além disso, se apresenta em locais inusitados. Nos Estados Unidos, em vez de limitar-se às casas de show consagradas, toca em feiras, cassinos, rodeios. A idéia de uma "turnê sem fim", contudo, não remete apenas ao volume de shows. Tem a ver também com a maneira como ele organiza seu repertório, misturando canções recentes com clássicos da própria lavra e composições alheias – como se todas as músicas fizessem parte de um continuum. Quando revisita seus sucessos, Dylan não é reverente, e com freqüência os subverte. Nesta semana, o cantor visita o Brasil para shows em São Paulo e no Rio de Janeiro. Não é má aposta esperar por surpresas. Não será surpresa ver o músico passar a maior parte do tempo ao teclado, e não na guitarra. Em 1966, esse último instrumento ajudou a transformar Dylan num personagem notório – um ícone da cultura jovem. Sua turnê daquele ano às vezes acabava em pancadaria, quando fãs que esperavam um show acústico se viam apanhados em meio ao barulho elétrico. Durante um show em Manchester, na Inglaterra, Dylan foi chamado de Judas por um admirador xiita. A guitarra o acompanhou pela maior parte dos 45 anos de carreira, mas nos últimos tempos ele a empunha com menor freqüência – ao que parece, por causa de dores nas costas. O grupo atual de Dylan é o melhor desde o tempo em que ele se apresentava com a The Band, que tinha brilho próprio e ocupa posição de destaque na história do country-rock americano. A parceria entre Dylan e a The Band durou oito anos e gerou um extraordinário disco ao vivo – Before the Flood, de 1974. O grupo que vem ao Brasil é formado por instrumentistas veteranos como Tony Garnier (baixo) e Denny Freeman (um virtuose da guitarra), que conhecem a fundo não apenas a obra de Dylan, mas também gêneros antigos de que ele sempre se alimentou – como o ragtime ou o blues de raiz. Recentemente, numa reportagem do jornal The New York Times, um guitarrista que já se desligou do grupo rememorou a experiência de acompanhar Dylan em sua Never Ending Tour: "Tocávamos clássicos, canções folk, canções da Guerra Civil Americana. Ele podia escolher qualquer coisa". O conhecimento enciclopédico, como se vê, é necessário para sobreviver ao contato com um bandleader implacável – e sempre inquieto.

A aposta de Claudia

Na semana passada, Claudia Leitte fez uma aposta de 3 milhões de reais. O valor pode até ser mais alto – a contabilidade ainda não foi fechada. "Vendi imóveis e quebrei o porquinho para realizar meu objetivo", diz a cantora. A aposta foi nela mesma. No domingo, dia 17, a ex-vocalista do grupo Babado Novo lançou-se em carreira-solo numa apresentação gratuita na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, para um público de 700 000 pessoas. O show será lançado em CD e DVD no início de maio, juntamente com um documentário biográfico – são 110 horas de gravação, entre lembranças da infância, depoimentos de amigos e cenas de palco. Na gravação do show carioca foram usadas 22 câmeras, duas a menos do que num concerto dos Rolling Stones realizado em 2006 no mesmo local. Houve também gastos com segurança, transporte e toda a parafernália que um evento desse porte requer. É preciso vender mais de 1 milhão de cópias do disco e do DVD para recuperar o investimento – feito raro no mercado fonográfico atual. Outra alternativa, mais provável, é usar o disco como cartão de visitas para agendar shows por um bom cachê. Mas não é a hipótese de prejuízo que mais preocupa. O espectro que realmente assusta é o de ver uma carreira em ascensão perder fôlego e entrar em declínio. Claudia acredita que tem chances de ingressar no primeiro escalão do showbiz brasileiro – um espaço rarefeito onde impera Ivete Sangalo, uma cantora com raízes e estilo muito semelhantes aos seus. O Babado Novo foi um projeto criado pelos empresários Manoel Castro e Cal Adan – um dos mentores do É o Tchan!. Eles contrataram Claudia Leitte depois de assistir a uma apresentação dela ao lado de um grupo de pagode chamado Nata do Samba. A princípio, tudo correu como de praxe no mundo do axé: os donos da banda ficavam com a maior parte dos lucros e pagavam um cachê à loira. Mas Claudia se destacou tanto que passou a receber um porcentual de 30% sobre os lucros do Babado Novo. A fórmula do grupo, porém, se esgotou. Apesar da presença constante nas micaretas, os carnavais fora de época que pululam no país, Ver-Te Mar, seu último lançamento, não passou das 50.000 cópias. Surgiu então a idéia de lançar Claudia em carreira-solo. Castro e Cal Adan continuam na jogada. Os músicos do Babado Novo ainda dão apoio a Claudia. Enfim, boa parte dos ingredientes permanece igual. Mas a música ganhou um acento mais pop – o primeiro produto da nova fase é Exttravasa, canção dançante que lembra os funks de Ivete Sangalo. Claudia diz que já respondeu "um milhão e quatrocentas mil vezes" sobre a semelhança entre o seu trabalho e o de Ivete. "Ela parece ter estudado cada movimento da rival", diz um empresário. Ao vivo, Claudia é uma entertainer tão eficiente quanto Ivete. Tem presença de espírito (no início da carreira, ela estava cantando num trio elétrico quando um folião morreu no meio do show – Claudia parou com o axé e passou a cantar hinos religiosos) e tem preparo físico para agüentar a maratona do Carnaval baiano. "Se ela não fosse talentosa, jamais conseguiria atrair 700.000 pessoas para uma apresentação na praia", diz Jesus Sangalo, empresário e irmão de Ivete. Mas ela nunca emplacou um sucesso à altura de Festa e Sorte Grande, músicas que, mesmo que involuntariamente, estão encravadas na memória de dez entre dez brasileiros. Também não é claro ainda o tamanho de seu carisma. Ivete é hoje cortejada não só pelo público, mas por artistas de toda espécie. Em sua estréia-solo, Claudia contou com convidados como Gabriel o Claudia é linda. Tem pernas extraordinárias – que na adolescência lhe valeram o apelido "zagueiro do Bahia" – e um vozeirão grave. A cantora fala em Deus a todo instante e, mesmo quando rebola no palco, se preocupa em não parecer vulgar. "Uso shortinho para valorizar minhas curvas, mas sem desrespeitar a Deus." Diz que não freqüenta uma igreja específica, mas tem uma relação estreita com os evangélicos. Seu casamento com o empresário Márcio Pedreira, realizado em março de 2007, foi celebrado pelo pastor Ivo, da Comunidade Evangélica Artistas de Cristo. Momentos antes de subir ao palco montado na Praia de Copacabana, cantou um hino religioso da pastora Ludmila Ferber. Quando era pequena, Claudia viu sua família passar por dificuldades. "Comíamos arroz, feijão e ovo todos os dias. Mas não tenho do que reclamar: Carlinhos Brown, por exemplo, era tão pobre que almoçava jaca", diz. Hoje em dia, ela tem um padrão de vida confortável. O Babado Novo fazia dezesseis apresentações por mês a um cachê de 350.000 reais. Ela está construindo uma casa em Alphaville, condomínio de luxo em Salvador, onde uma casa não custa menos de 1 milhão de reais. Se a carreira-solo decolar, será só o começo. A aposta está lançada.

Uma trilha à altura do filme

Em cartaz no Brasil desde a semana passada, Sangue Negro, do cineasta americano Paul Thomas Anderson, golpeia sem trégua o espectador. Entre as muitas qualidades desse filme áspero, a trilha sonora merece uma menção à parte. Assinada pelo músico inglês Jonny Greenwood, mais conhecido como guitarrista do grupo de rock Radiohead, ela não se subordina às imagens, nem serve como "tema" para os personagens. Constitui, em vez disso, uma espécie de dimensão paralela em que a energia brutal que anima a história ganha tradução sonora. Na abertura do filme, um longo acorde dissonante tocado por instrumentos de corda apresenta um cenário de montanhas áridas e depois se fratura para revelar o anti-herói Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis) trabalhando nas entranhas de uma mina de prata. Em outra seqüência, a luta para combater um incêndio é acompanhada por percussão desorientadora. Em passagens como essas, o som equivale a um soco no estômago. Fazia muito tempo não se via um uso tão peculiar e poderoso da música no cinema. É preciso dar crédito a Paul Thomas Anderson. Poucos diretores dedicam mais atenção à música do que ele. Em Magnólia (1999), Anderson praticamente inverteu a lógica de criação cinematográfica. Certos personagens entraram na trama como reflexo das composições da cantora pop Aimee Mann. Em Sangue Negro, ele usou duas criações anteriores de Greenwood – Popcorn Superhet Receiver, composta para a BBC Concert Orchestra em 2005, e Smear, que a London Sinfonietta gravou em 2006. O resto foi escrito a partir de trechos do filme vistos pelo músico. Na montagem final, contudo, Anderson redistribuiu as composições de acordo com seu gosto e intuição. No Radiohead, Jonny Greenwood, de 36 anos, sempre deixou os holofotes para o vocalista Thom Yorke. Fica claro agora que o lado vanguardista da banda deve muito a ele. Greenwood tem formação erudita. É violista e estudou composição na Oxford Brookes University até 1991, quando o Radiohead foi contratado pela gravadora EMI. Quatro anos atrás, assumiu o posto de compositor residente da BBC Concert Orchestra. No mês passado, foi destaque da The Wordless Music Series, evento nova-iorquino que dedica sua programação ao melhor da música erudita atual. Greenwood é discípulo de compositores contemporâneos como Krzysztof Penderecki e Olivier Messiaen, que trabalharam o atonalismo e a dissonância. Não à toa, o parentesco mais próximo da trilha de Sangue Negro talvez seja com a de O Exorcista. Nesse clássico, o diretor William Friedkin explorou as obras de Anton Webern e sobretudo de Penderecki para forjar uma atmosfera de terror. A trilha de Sangue Negro não pôde concorrer ao Oscar porque, em boa parte, já não era inédita. Mas isso não deve ofuscar o seu brilho evidente.

E o rock indie chegou às paradas
Antes do início das filmagens de Juno, o cineasta Jason Reitman perguntou a Ellen Page, atriz principal do filme, qual seria a música predileta da personagem. Ellen sugeriu Moldy Peaches, dupla de música folk cujos integrantes se vestiam de rato e de marinheiro e que tinha terminado em 2003. Reitman gostou do material e recrutou Kimya Dawson, ex-integrante do duo, para colaborar na trilha – ela é responsável por sete das dezenove canções. A aposta deu certo: lançado há pouco mais de um mês, o CD alcançou a primeira posição na parada americana e vendeu 500 000 cópias. Tão simpático e excêntrico quanto o filme, o disco, contudo, não deve seus pontos altos a Kimya, e sim a outra cantora jovem, Cat Power, e a veteranos como Mott the Hoople e The Velvet Underground.

A anti-Britney

Lançado em abril de 2007, Dignity, o quarto disco de Hilary Duff, tem letras sobre amarguras e dilemas na vida de uma estrela jovem. Danger fala da tentação de envolver-se com um homem velho (o da música nasceu em 1974). Between You and Me e I Wish expiam o fim de um namoro. Quanto à faixa-título, ela manda um recado a meninas festeiras, que não se importam em "perder a dignidade nas colinas de Hollywood". Os sites de celebridades ajudam a decifrar o significado de algumas dessas letras. As desmioladas de Dignity são Britney Spears e Lindsay Lohan, amigas com quem Hilary rompeu. O namoro conturbado foi com Joel Madden, vocalista da banda de rock Good Charlotte. Porém, quem percorrer os tablóides à procura de registros de Hilary nas garras lascivas de algum trintão (como em Danger) não vai encontrar nada. Ela também nunca foi presa enquanto dirigia bêbada, nunca deu vexame em clubes e jamais permitiu que alguém vislumbrasse sua calcinha (flagrá-la sem roupa íntima, então, nem pensar). "Os paparazzi me odeiam, porque nunca lhes dou uma foto escandalosa", diz a cantora, em entrevista a VEJA. Hilary Duff, 20 anos, que se apresenta nesta semana em São Paulo e no Rio de Janeiro, é a anti-Britney Spears. Ou uma espécie de Sandy – meiga, contida, e com desejo real de cantar. Hilary Duff ganhou notoriedade ao estrelar Lizzie McGuire, seriado adolescente da Disney. A série durou de 2001 a 2004 e ainda faz sucesso em reprises na TV paga. Desde o fim do programa, Hilary enfrenta o desafio de seguir em carreira-solo sem perder a base de fãs que conquistou. Está numa posição incômoda, pois os produtos mais recentes da fábrica de celebridades Disney – as atrizes-cantoras de Hannah Montana e High School Musical – lhe impõem uma forte concorrência. Este é também um momento de decisões arriscadas. Uma das fórmulas possíveis neste período de transição é adotar o figurino de menina má. Britney Spears e Christina Aguilera seguiram por esse caminho. A primeira, com os resultados desastrosos sobejamente conhecidos. A segunda, de forma mais bem-sucedida, uma vez que hoje desfruta uma carreira estável. Outra fórmula é a de Justin Timberlake. Ela parece a mais provável para Hilary, pelo que se conhece de seu temperamento. Justin Timberlake é hoje a maior estrela do pop americano. Além de ser um dançarino nato e um entertainer de primeira categoria, ele faz musicalmente o pop "negro", com elementos de hip hop e R&B, que está no centro absoluto da música jovem americana. O mais importante na história de Timberlake, contudo, é que ele jamais abandonou os ingredientes "família" de sua formação na Disney e na banda de garotos ‘NSync. Ele rebola, mas não exagera. Num show recente, despediu-se com Dick in a Box, canção-sátira cujo título, numa tradução "clínica", seria Pênis numa Caixa. Pouco depois voltou ao palco e desculpou-se, contrito, por ter cantado uma canção vulgar. O sucesso de Timberlake mostra que, hoje, os ventos sopram a favor de um pop malicioso, às vezes, mas nunca ultrajante (como podia ser o de Madonna em seus tempos áureos). Hilary Duff segue por essa rota. A artista que os brasileiros vão ver nesta semana ainda cumpre o seu rito de passagem, mas isso parece não ser detrimento algum para o seu show. Segundo o crítico Kelefa Sanneh, do New York Times, a apresentação de Hilary Duff é "muito melhor do que poderia e do que precisaria ser". Acompanhada por sete músicos e quatro bailarinos, sem grande parafernália cênica, ela canta o seu pop "branco" – uma forma branda de música eletrônica dançante que remete à new wave dos anos 80. Hilary, aliás, jura que canta mesmo. Quase sempre. No México, recentemente, ela foi flagrada usando playback. "Mas essa vez não valeu", diz. "O microfone havia pifado."

O lado B das C

Em 1989, a americana Jancee Dunn tinha 23 anos e poucas perspectivas profissionais quando uma amiga a convidou para fazer uma entrevista de emprego na revista Rolling Stone. Como seu currículo musical não era grande coisa – ela havia ido a uns poucos shows de Bruce Springsteen e do Hooters, grupo que acompanhou a cantora Cyndi Lauper –, Jancee fez o que os desesperados por um emprego às vezes fazem: mentiu descaradamente, a fim de parecer "descolada". Não apenas foi contratada como se transformou numa das principais entrevistadoras da revista (sua lista de perfilados vai de Madonna a Brad Pitt e Cameron Diaz). Boa parte dessas experiências é contada, com detalhes indiscretos e divertidos, em Chega de Falar de Mim... (tradução de Newton Padovani; Panda Books; 296 páginas; 39,90 reais), já nas livrarias do país. Chega de Falar de Mim... é parte autobiografia, parte narração de "causos" de bastidores e também um pouco manual de auto-ajuda, para os esperançosos em cobrir o mundo do showbiz. (Nunca diga a um artista que ele parece diferente em carne e osso, ensina Jancee: ele vai entender que você o achou feio.) Criada no provinciano estado de Nova Jersey, ela conta como "chegou lá" – ou seja, os caminhos que teve de percorrer para se impor na Rolling Stone e posteriormente na MTV2, onde trabalhou como apresentadora. A saga inclui passagens desabonadoras, como uma overdose de cocaína, percalço ocupacional típico desse meio. São os encontros com as celebridades, no entanto, que rendem os momentos mais deliciosos de Chega de Falar de Mim... E também os mais reveladores, já que mostram como o jornalista às vezes cruza a linha que o separa do fã. Jancee vasculhou o banheiro de Madonna, por exemplo, para satisfazer a curiosidade pessoal de saber quais cosméticos ela preferia (de excepcional, encontrou apenas um exemplar do Livro de Bolso do Hipocondríaco). Noutra ocasião, foi jantar com Mel Gibson e, claro, acabou sendo identificada como affair do astro. Gibson a alertou para não olhar para os paparazzi nem, muito menos, sorrir. "Mas, quando recebi as fotos, vi que aparecia nelas acenando para os fotógrafos como se estivesse num carro alegórico", diz ela, sobre seu ataque de deslumbramento. Chega de Falar de Mim... é, enfim, um bom livro para as férias de verão.

Vida de artista
As impressões de Jancee Dunn sobre alguns dos famosos que entrevistou
"Um dia, Ben Affleck quis mostrar como os paparazzi não deixam os atores em paz. Fomos a um restaurante e ele pediu para que eu o abraçasse. No dia seguinte, uma foto de nós dois juntos foi vendida por 12.000 dólares" "Madonna, tal qual um cachorro, fareja o medo nos jornalistas. Sua secretária me contou que um repórter ficou tão nervoso de entrevistá-la que desmaiou na sala de espera" "As irmãs Olsen são baixinhas, menos bonitas do que aparentam na tela e não têm nada para dizer. Passei dias entrevistando-as sem conseguir uma frase que não fosse um lugar-comum. Meu único momento de prazer foi quando fomos ao shopping torrar dinheiro em roupas novas"

"Eu sou esférica"

No dia 18 de dezembro, Sandy & Junior se apresentam pela última vez como dupla. Depois de dezessete anos de parceria e mais de 15 milhões de discos vendidos, os irmãos decidirão, em 2008, o que fazer de suas carreiras-solo. Junior parece inclinado a se manter na trilha da música jovem. Enquanto isso, Sandy enfrenta alguns dilemas. Dúvida número 1 para o ano que vem: casar-se ou gravar um disco? Desde janeiro, a cantora está noiva do músico Lucas Lima, e não descarta juntar os trapinhos. Mas ela também está compondo, já tem três canções prontas. Notoriamente obcecada por controle, a ponto de padecer desde a infância de uma gastrite nervosa, não quer ficar por muito tempo numa zona de indefinição profissional. E daí vem a dúvida número 2: qual nicho ocupar no populoso universo das cantoras brasileiras? "Outro dia", conta ela, "minha mãe perguntou: ‘Filha, com quais cantoras você vai concorrer? Com a Céu? A Marina de la Riva?’." Sandy não tem uma resposta pronta. Nos últimos tempos, sente-se atraída pelo jazz e pelas vertentes tradicionais da MPB. Mas sabe que é preciso combinar o gosto pessoal a uma estratégia consistente de carreira. Sandy tem muito a seu favor. Com meros 24 anos, é uma artista veterana. Em suas próprias palavras, pertence à era do vinil, enquanto colegas da mesma idade pularam a era do CD para estrear diretamente na do iTunes. Também não será sua primeira mudança de roupagem. Ela e o irmão despontaram em 1991, esgoelando-se na música caipira, e se despedem como astros da música pop. Seu desafio é de outra ordem. Ao entoar alguns dos clássicos pelos quais se apaixonou, em shows de experiência feitos nos últimos anos, Sandy mostrou que comete erros crassos, como cantar as doloridas Retrato em Branco e Preto e Cry Me a River com um sorriso nos lábios. Falta-lhe, enfim, transformar-se numa intérprete de verdade. Algumas intérpretes são movidas pelo instinto, outras por uma compreensão "técnica" daquilo que cantam. Sandy não é, definitivamente, do primeiro time – o time, digamos, de Elis Regina. Poucas coisas a deixam mais enfadada do que a fama de menina certinha que a acompanha há anos. Aluna de um curso de letras na universidade, ela recorre ao vocabulário da crítica literária para se descrever como personalidade: "Gente, eu não sou plana, eu sou esférica". Tudo bem. Mas essa esfera está longe de abrigar um espírito naturalmente turbulento. Sandy também não teve razões biográficas para tornar-se rebelde. Quando nasceu, seu pai, o cantor sertanejo Xororó, já fazia sucesso. "Nós éramos de classe média", diz. Ela estudou em boas escolas, morou em casas confortáveis – e então começou a ganhar o próprio dinheiro. Estima-se que seu patrimônio pessoal seja de 30 milhões de reais, geridos de maneira cautelosa. Ela não sente culpa por ser rica num país de pobres, mas tampouco esbanja. Tem até uma certa fama de pão-dura. "Pão-dura não. Sou controlada", afirma. Uma palavra que a define bem, não só no campo financeiro. Também na música Sandy é controlada. Sabe que para evoluir precisa filiar-se à escola das cantoras "técnicas". Sua jazzista predileta é a americana Ella Fitzgerald. "Ela tinha um canto muito preciso", diz. No quesito precisão, Sandy não é das piores. Sua voz é pequena, porém afinada de uma maneira que divas da "nova MPB", como Vanessa da Mata, jamais sonharão em ter. Nos últimos tempos, abandonou seu pior vício, os trinados agudíssimos que herdou do sertanejo (com todo o respeito a papai, Sandy confessa que hoje em dia não tolera muito esse gênero de música). Ela canta até dois tons abaixo de seu registro anterior. "Não tenho mais vontade de gritar", diz. Esse tipo de abordagem pode levar a um show frio, contido demais. O trunfo de Sandy é sua longa experiência. "Quando eu tinha 13 anos, ia cantar em festas de rodeio e ouvia barbaridades do público masculino. Não tem muita coisa que me assuste no palco", afirma ela. Do currículo da artista constam várias apresentações para mais de 100 000 fãs, e uma para 250 000 pessoas no Rock in Rio de 2001. Isso significa traquejo não só para lidar com platéias dispersas ou mal-educadas, mas também para se equilibrar entre números românticos e animados. Talvez o maior legado de seus tempos de estrela adolescente, encantada com Celine Dion e Mariah Carey, seja a certeza de que um show precisa entreter, ser espetáculo. "Existe uma certa cultura na música brasileira de que tudo tem de ser pequenininho. É uma coisa humilde, minimalista. Eu não acho que tudo tem de ser pequeno. Não quero voltar a ser a Celine Dion, mas também não pretendo ser a Sandy bossa-nova", diz ela. Às vésperas de anunciarem a gravação do Acústico MTV e, posteriormente, a dissolução da dupla, Sandy & Junior renovaram contrato com a gravadora Universal. O álbum ao vivo seria o primeiro de três discos a ser lançados pela companhia. Há boas chances de que os contratos das carreiras-solo sejam renegociados com a mesma gravadora. O novo vínculo não traria muitas diferenças em relação ao atual. Fazia tempo que Sandy & Junior tinham carta-branca para gravar o que quisessem, com os produtores de sua preferência. É o tipo de liberdade concedida apenas a artistas com uma base de fãs muito sólida – como Marisa Monte, que Sandy elogia. "Marisa sabe o que tem de fazer para se posicionar no mercado. Canta bem, compõe bem, tem uma pureza para compor que não é boba, mas sofisticada. Fui ao último show dela e fiquei bem impressionada", diz. Vinda de outra cantora de 24 anos, essa avaliação teria um toque de reverência. Não é o caso com Sandy. "O que eu e o Junior fizemos é único no cenário brasileiro. Eu tenho certeza disso", afirma a cantora. A ver se, como hoje falam de Marisa Monte, no futuro falarão de uma escola Sandy de interpretação.