quinta-feira, 3 de abril de 2008

Bob Dylan no palco

Bob Dylan, um dos maiores nomes da música popular do século XX, tem uma relação peculiar com o palco. Suas declarações sobre o assunto são ambíguas – o que não é novidade em se tratando de um artista que nunca fez questão de se justificar. Dylan já disse que cantar por dinheiro diante de uma audiência é uma profissão "apenas um degrau acima da de cafetão". Mas também afirmou que "em diversos momentos da vida só fui feliz no palco". Na falta de uma explicação cabal, resta observá-lo em ação. Vinte anos atrás, ele deu início ao que chama de Never Ending Tour (Turnê sem Fim). Até agora foram mais de 2.000 shows, cerca de 100 por ano, religiosamente. É difícil imaginar outro cantor ou banda de renome semelhante que repita esse padrão: o frenesi das turnês costuma ser intercalado com períodos de descanso. Dylan, além disso, se apresenta em locais inusitados. Nos Estados Unidos, em vez de limitar-se às casas de show consagradas, toca em feiras, cassinos, rodeios. A idéia de uma "turnê sem fim", contudo, não remete apenas ao volume de shows. Tem a ver também com a maneira como ele organiza seu repertório, misturando canções recentes com clássicos da própria lavra e composições alheias – como se todas as músicas fizessem parte de um continuum. Quando revisita seus sucessos, Dylan não é reverente, e com freqüência os subverte. Nesta semana, o cantor visita o Brasil para shows em São Paulo e no Rio de Janeiro. Não é má aposta esperar por surpresas. Não será surpresa ver o músico passar a maior parte do tempo ao teclado, e não na guitarra. Em 1966, esse último instrumento ajudou a transformar Dylan num personagem notório – um ícone da cultura jovem. Sua turnê daquele ano às vezes acabava em pancadaria, quando fãs que esperavam um show acústico se viam apanhados em meio ao barulho elétrico. Durante um show em Manchester, na Inglaterra, Dylan foi chamado de Judas por um admirador xiita. A guitarra o acompanhou pela maior parte dos 45 anos de carreira, mas nos últimos tempos ele a empunha com menor freqüência – ao que parece, por causa de dores nas costas. O grupo atual de Dylan é o melhor desde o tempo em que ele se apresentava com a The Band, que tinha brilho próprio e ocupa posição de destaque na história do country-rock americano. A parceria entre Dylan e a The Band durou oito anos e gerou um extraordinário disco ao vivo – Before the Flood, de 1974. O grupo que vem ao Brasil é formado por instrumentistas veteranos como Tony Garnier (baixo) e Denny Freeman (um virtuose da guitarra), que conhecem a fundo não apenas a obra de Dylan, mas também gêneros antigos de que ele sempre se alimentou – como o ragtime ou o blues de raiz. Recentemente, numa reportagem do jornal The New York Times, um guitarrista que já se desligou do grupo rememorou a experiência de acompanhar Dylan em sua Never Ending Tour: "Tocávamos clássicos, canções folk, canções da Guerra Civil Americana. Ele podia escolher qualquer coisa". O conhecimento enciclopédico, como se vê, é necessário para sobreviver ao contato com um bandleader implacável – e sempre inquieto.

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