terça-feira, 19 de junho de 2007

Lobo bobo

O cantor Lobão, 49 anos, se notabilizou em defender os direitos dos fracos e dos oprimidos. Brigou com praticamente todas as gravadoras com as quais trabalhou e defendeu a tese de que os CDs deveriam ser numerados para que os artistas soubessem exatamente quantas cópias venderam. Na vida real, Lobão, esse paladino da justiça, não reza pela cartilha do bom artista. Vejam o email que eu recebi de um músico erudito que foi convidado para tocar no show do disco Acústico MTV:
"Recebi um telefonema do produtor do Lobão um cara chamado Mauro me chamando pra tocar no lançamento do Acústico MTV deste gênio agora compreendido. Até aí tudo bem, mas olha só a proposta: tocar com um quinteto de cordas, sendo que o quinteto se escuta nos retornos e o som que vai para o público é o que ele solta do computador. Dublagem na cara dura!
Lobão paga 200 reais por show , um em São Paulo na sexta outro no sábado no Rio de Janeiro (indo de ônibus) e outro na segunda numa festa fechada no Via funchal. Conclusão, ele que sempre lutou pelos direitos dos fracos e oprimidos agora está explorando os músicos. Para piorar, dubla as cordas de um show acústico porque não quer pagar direito!"
E agora, Lobão?

Discos riscados

A regravação, às vezes, é resultado da busca de um músico pela perfeição. Ela pode ser inovadora. O regente austríaco Herbert von Karajan lançou seis versões das nove sinfonias de Beethoven porque queria registrar cada nova concepção que tinha desses clássicos. A cantora americana Ella Fitzgerald revisitou várias vezes o repertório de autores como Cole Porter e George Gershwin, renovando-se a cada gravação. No Brasil de hoje, porém, casos como esses são raros, muito embora o que não falte sejam regravações. Em todos os estilos os artistas se repetem, se repetem e se repetem, por falta de ousadia, oportunismo ou auto-indulgência. A lista inclui de veteranos como Erasmo Carlos, Lobão e Zeca Pagodinho, cujos dias de glória já vão longe, a artistas que, em teoria, estão vivendo o seu auge criativo. Nando Reis, Ivete Sangalo e Jota Quest são alguns dos que não cansam de regurgitar suas velhas músicas, sobretudo em CDs do gênero “ao vivo” (volume I e volume II). A regravação é um sintoma da crise na indústria fonográfica. Buscar uma solução inovadora para as vendas declinantes dá trabalho, e é mais seguro investir em mais do mesmo. A festeira baiana Ivete Sangalo lançou três discos ao vivo em menos de dez anos. O mais recente foi gravado no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, diante de um público de mais de 50.000 pessoas — uma superprodução com repertório requentado. Em tempos idos, o sambista Zeca Pagodinho só lançava CDs de material inédito, com no máximo duas, três releituras. A partir de Ao Vivo, de 1999, Zeca afrouxou seus critérios. Nos últimos quatro anos, lançou dois CDs ao vivo. O mais recente, baseado em canções de gafieira, não teve o resultado comercial esperado — uma prova de que o público não aprovou a fórmula manjada. O disco ao vivo, que deveria captar a vibração do artista em contato direto com os fãs, transformou-se em veículo burocrático. É o que se constata nos registros de shows do Jota Quest. O maior sucesso do quinteto mineiro foi MTV ao Vivo, lançado em 2003, com mais de 500 000 cópias vendidas. Desde então, a banda não faz outra coisa senão gerar subprodutos desse projeto, com mais um CD ao vivo e um DVD de uma apresentação em Porto Alegre. Músicas como As Dores do Mundo e De Volta ao Planeta chegaram a ser gravadas quatro vezes. O único disco de estúdio recente traz, como música de trabalho, uma cover de Roberto Carlos — o fôlego para composições novas se esgotou. Nando Reis é outro que adora reprisar canções. Seu Luau MTV nada mais é que o registro de uma apresentação na praia, ao lado de convidados. A Letra "A", A Fila e Relicário são algumas das faixas que ganharam uma terceira releitura. Até Lobão largou a pose de “artista que não se vende” e topou a oferta da gravadora Sony BMG para lançar um Acústico MTV. Nas entrevistas de divulgação desse disco preguiçoso (em grande parte feito de velharias dos anos 80), o cantor jacta-se de que a gravadora está pagando jabá, aquela verba que o radialista recebe para tocar certas canções. O artista que muda de gravadora às vezes utiliza a regravação como estratagema para transferir o melhor do seu repertório para a nova casa. Em dez anos, Erasmo Carlos gravou discos por três companhias, sempre com as mesmas composições dos tempos da carochinha. Seu último disco, Erasmo Convida II, é um “catadão” de algumas das canções mais significativas de quarenta anos de carreira, na companhia de convidados como Chico Buarque e Los Hermanos. “Eu queria mostrar músicas novas, mas o meu público prefere os sucessos antigos”, justifica Erasmo. E a praga das regravações continua a se espraiar. No mês passado, chegaram às lojas discos de artistas do segundo escalão da MPB com homenagens a Dorival Caymmi, Tom Jobim e Chico Buarque. São trabalhos modorrentos e sem critério artístico. Está na hora de os artistas brasileiros apresentarem novidades. Ou estarão condenados a confirmar o poeta russo Joseph Brodsky, para quem a repetição era a mãe do tédio.
ERASMO CARLOS Composições inéditas entre 1995 e 2001 - 12 Regravações entre 1995 e 2001 - 13 Composições entre 2002 e 2007 - 12 Regravações entre 2002 e 2007 - 34

Mais do mesmo
Como os artistas seespecializaram em reciclar canções antigas
ZECA PAGODINHO Entre 1995 e 2001 Composições inéditas - 57 Regravações - 46
Entre 2002 e 2007 Composições inéditas - 27 Regravações - 35
IVETE SANGALO Entre 1995 e 2001 Composições inéditas - 70 Regravações - 18
Entre 2002 e 2007 Composições inéditas - 30 Regravações - 31
LOBÃO Entre 1995 e 2001 Composições inéditas - 36 Regravações - 11
Entre 2002 e 2007 Composições inéditas - 13 Regravações - 15
NANDO REIS Entre 1995 e 2001 Composições inéditas - 23 Regravações - 13
Entre 2002 e 2007 Composições inéditas - 23 Regravações - 25
JOTA QUEST Entre 1995 e 2001 Composições inéditas - 31 Regravações - 4
Entre 2002 e 2007 Composições inéditas - 25 Regravações - 37

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Decadência é triste

Não existe nada pior do que artista que se recusa a aceitar a decadência. Aliás, não existe nada pior do que artista que se recusa a aceitar a decadência e desembarca no Brasil a fim de enganar uns incautos. Estou falando de Lauryn Hill, artista de hip hop, que na semana passada tungou gaúchos, paulistas e cariocas.
Dez anos atrás, Lauryn era a maior promessa da música negra norte-americana. Era vocalista dos Fugees, trio de rap que tinha letras espertas - falavam de amor ou política ao invés do discurso pró-bandidagem do gangsta rap - e influências de soul music e reggae. No ano de 1998, a cantora lançou seu primeiro disco solo, The Miseducation of Lauryn Hill, um álbum que mostrou novos caminhos para o hip hop. Lauryn cruzou o gênero com soul music - vide Doop Wop (That Thing) primeiro single do disco - e o disco se transformou no item de cabeceira de moças como Beyoncé, Joss Stone & cia.
Mas lá se vão dez anos e a Lauryn Hill que lançou Miseducation... nem de longe é a Lauryn Hill que assisti no Tom Brasil. Diva decadente, ela deu piti no hotel (que achou meio burguês), no trato com a imprensa (exigiu ser entrevistada por repórteres negros) e no público (entrou com mais de duas horas de atraso). Cantora de meia-pataca, entrou no palco afônica e desafinou sempre que teve oportunidade. Aliás, o tempo que gastou para colocar aqueles cílios postiços poderia ter sido gasto num bom otorrino. Artista equivocada, destruiu três clássicos do sogro, Bob Marley (Lauryn é casada com Rohan, um dos trocentos filhos do rei do reggae) ao cantá-las num andamento acelerado e acompanhada por uma banda horrorosa. Heathen, Natty Dread e Zimbabwe (esta última, uma homenagem à independência do país africano, na década de 70 - e cujo libertador, Robert Mugabe, se transformou num tirano sanguinário) sofreram mais do que vítima de guera tribal no continente africano. A seu favor, Lauryn contou com a complacência do público, que pagou mais de 200 reais para assisti-la e achou tudo "muito foda". Os cariocas não se deixaram enganar tão fácil: sapecaram uma sonora vaia na folgada. Foda, meus caros, é ser enganado por uma artista metida a diva que não sabe o significado da palavra profissionalismo.

O mito do maestro

O crítico de música Norman Lebrecht, uma das poucas vozes dissonantes do oba-oba da música erudita, apregoa que o grande maestro não é aquele que rege as orquestras da moda ou lança discos por selos badalados. Bom regente é o que imprime sua marca sonora em cada grupo sinfônico que rege. Lebrecht citou como exemplo Lorin Maazel, que comandou a Sinfônica de Pittsburgh, a Ópera de Viena e atualmente responde pela direção da Filarmônica de Nova York. Sei bem do que Lebrecht está falando, porque cinco anos atrás vi Maazel reger de forma magistral a Orquestra Experimental de Repertório, grupo sinfônico formado por estudantes de música. No entanto, poucos regentes expressam melhor essa que o alemão Kurt Masur.
Masur, que completa 80 anos em julho, é um senhor carrancudo, de poucas palavras - principalmente quando importunado por repórteres - e não abre mão de chacoalhar a orquestra quando sente que ela não corresponde ao seu comando. Também não possui um gestual dos mais bonitos. Alto e um tanto desengonçado, ele parece um boneco de pau a se equilibrar no pódio enquanto rege a orquestra. Porém, sabe como poucos liderar uma orquestra. Seja a Filarmônica de Nova York, com quem veio ao Brasil em 2002 - e executou uma Quarta Sinfonia, de Bruckner, capaz de levar o ogro mais grosso às lágrimas; seja a Osesp, que foi regida por ele em 2002 e 2004 - o repertório foi de aberturas das óperas de Wagner às sinfonias de Beethoven e Brahms ou a Orquestra Acadêmica do Festival de Inverno de Campos de Jordão (Barber e Mahler), Masur atinge a alma de cada peça que rege.
No dia 30, de maio, Kurt Masur me proporcionou outros desses momentos mágicos. Ele comandou a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) no Teatro Alfa, em São Paulo. O repertório era constituído da abertura d'Os Mestres Cantores de Nuremberg, de Richard Wagner, a Sinfonia Inacabada, de Schubert, e a Sinfonia do Novo Mundo, de Dvorak. Masur regeu num andamento mais lento do que o normal, como se quisesse dizer para a platéia: "Caros, saboreiem cada nota desta maravilha!" E foi um banquete e tanto e um prenúncio de uma nova era para a OSB. Depois de sofrer durante anos na mão de regentes de quinta categoria e administrações catastróficas, ela renasceu no ano passado sob a direção do maestro Roberto Minczuk. Os concertos de Masur são a prova da capacidade do grupo sinfônico.
Abaixo, uma "palinha" de Masur e OSB na praia de Copabacana, Rio de Janeiro
http://www.youtube.com/watch?v=QcxVtIUWsso