quinta-feira, 3 de abril de 2008

Uma trilha à altura do filme

Em cartaz no Brasil desde a semana passada, Sangue Negro, do cineasta americano Paul Thomas Anderson, golpeia sem trégua o espectador. Entre as muitas qualidades desse filme áspero, a trilha sonora merece uma menção à parte. Assinada pelo músico inglês Jonny Greenwood, mais conhecido como guitarrista do grupo de rock Radiohead, ela não se subordina às imagens, nem serve como "tema" para os personagens. Constitui, em vez disso, uma espécie de dimensão paralela em que a energia brutal que anima a história ganha tradução sonora. Na abertura do filme, um longo acorde dissonante tocado por instrumentos de corda apresenta um cenário de montanhas áridas e depois se fratura para revelar o anti-herói Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis) trabalhando nas entranhas de uma mina de prata. Em outra seqüência, a luta para combater um incêndio é acompanhada por percussão desorientadora. Em passagens como essas, o som equivale a um soco no estômago. Fazia muito tempo não se via um uso tão peculiar e poderoso da música no cinema. É preciso dar crédito a Paul Thomas Anderson. Poucos diretores dedicam mais atenção à música do que ele. Em Magnólia (1999), Anderson praticamente inverteu a lógica de criação cinematográfica. Certos personagens entraram na trama como reflexo das composições da cantora pop Aimee Mann. Em Sangue Negro, ele usou duas criações anteriores de Greenwood – Popcorn Superhet Receiver, composta para a BBC Concert Orchestra em 2005, e Smear, que a London Sinfonietta gravou em 2006. O resto foi escrito a partir de trechos do filme vistos pelo músico. Na montagem final, contudo, Anderson redistribuiu as composições de acordo com seu gosto e intuição. No Radiohead, Jonny Greenwood, de 36 anos, sempre deixou os holofotes para o vocalista Thom Yorke. Fica claro agora que o lado vanguardista da banda deve muito a ele. Greenwood tem formação erudita. É violista e estudou composição na Oxford Brookes University até 1991, quando o Radiohead foi contratado pela gravadora EMI. Quatro anos atrás, assumiu o posto de compositor residente da BBC Concert Orchestra. No mês passado, foi destaque da The Wordless Music Series, evento nova-iorquino que dedica sua programação ao melhor da música erudita atual. Greenwood é discípulo de compositores contemporâneos como Krzysztof Penderecki e Olivier Messiaen, que trabalharam o atonalismo e a dissonância. Não à toa, o parentesco mais próximo da trilha de Sangue Negro talvez seja com a de O Exorcista. Nesse clássico, o diretor William Friedkin explorou as obras de Anton Webern e sobretudo de Penderecki para forjar uma atmosfera de terror. A trilha de Sangue Negro não pôde concorrer ao Oscar porque, em boa parte, já não era inédita. Mas isso não deve ofuscar o seu brilho evidente.

E o rock indie chegou às paradas
Antes do início das filmagens de Juno, o cineasta Jason Reitman perguntou a Ellen Page, atriz principal do filme, qual seria a música predileta da personagem. Ellen sugeriu Moldy Peaches, dupla de música folk cujos integrantes se vestiam de rato e de marinheiro e que tinha terminado em 2003. Reitman gostou do material e recrutou Kimya Dawson, ex-integrante do duo, para colaborar na trilha – ela é responsável por sete das dezenove canções. A aposta deu certo: lançado há pouco mais de um mês, o CD alcançou a primeira posição na parada americana e vendeu 500 000 cópias. Tão simpático e excêntrico quanto o filme, o disco, contudo, não deve seus pontos altos a Kimya, e sim a outra cantora jovem, Cat Power, e a veteranos como Mott the Hoople e The Velvet Underground.

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