quinta-feira, 3 de abril de 2008

"Eu sou esférica"

No dia 18 de dezembro, Sandy & Junior se apresentam pela última vez como dupla. Depois de dezessete anos de parceria e mais de 15 milhões de discos vendidos, os irmãos decidirão, em 2008, o que fazer de suas carreiras-solo. Junior parece inclinado a se manter na trilha da música jovem. Enquanto isso, Sandy enfrenta alguns dilemas. Dúvida número 1 para o ano que vem: casar-se ou gravar um disco? Desde janeiro, a cantora está noiva do músico Lucas Lima, e não descarta juntar os trapinhos. Mas ela também está compondo, já tem três canções prontas. Notoriamente obcecada por controle, a ponto de padecer desde a infância de uma gastrite nervosa, não quer ficar por muito tempo numa zona de indefinição profissional. E daí vem a dúvida número 2: qual nicho ocupar no populoso universo das cantoras brasileiras? "Outro dia", conta ela, "minha mãe perguntou: ‘Filha, com quais cantoras você vai concorrer? Com a Céu? A Marina de la Riva?’." Sandy não tem uma resposta pronta. Nos últimos tempos, sente-se atraída pelo jazz e pelas vertentes tradicionais da MPB. Mas sabe que é preciso combinar o gosto pessoal a uma estratégia consistente de carreira. Sandy tem muito a seu favor. Com meros 24 anos, é uma artista veterana. Em suas próprias palavras, pertence à era do vinil, enquanto colegas da mesma idade pularam a era do CD para estrear diretamente na do iTunes. Também não será sua primeira mudança de roupagem. Ela e o irmão despontaram em 1991, esgoelando-se na música caipira, e se despedem como astros da música pop. Seu desafio é de outra ordem. Ao entoar alguns dos clássicos pelos quais se apaixonou, em shows de experiência feitos nos últimos anos, Sandy mostrou que comete erros crassos, como cantar as doloridas Retrato em Branco e Preto e Cry Me a River com um sorriso nos lábios. Falta-lhe, enfim, transformar-se numa intérprete de verdade. Algumas intérpretes são movidas pelo instinto, outras por uma compreensão "técnica" daquilo que cantam. Sandy não é, definitivamente, do primeiro time – o time, digamos, de Elis Regina. Poucas coisas a deixam mais enfadada do que a fama de menina certinha que a acompanha há anos. Aluna de um curso de letras na universidade, ela recorre ao vocabulário da crítica literária para se descrever como personalidade: "Gente, eu não sou plana, eu sou esférica". Tudo bem. Mas essa esfera está longe de abrigar um espírito naturalmente turbulento. Sandy também não teve razões biográficas para tornar-se rebelde. Quando nasceu, seu pai, o cantor sertanejo Xororó, já fazia sucesso. "Nós éramos de classe média", diz. Ela estudou em boas escolas, morou em casas confortáveis – e então começou a ganhar o próprio dinheiro. Estima-se que seu patrimônio pessoal seja de 30 milhões de reais, geridos de maneira cautelosa. Ela não sente culpa por ser rica num país de pobres, mas tampouco esbanja. Tem até uma certa fama de pão-dura. "Pão-dura não. Sou controlada", afirma. Uma palavra que a define bem, não só no campo financeiro. Também na música Sandy é controlada. Sabe que para evoluir precisa filiar-se à escola das cantoras "técnicas". Sua jazzista predileta é a americana Ella Fitzgerald. "Ela tinha um canto muito preciso", diz. No quesito precisão, Sandy não é das piores. Sua voz é pequena, porém afinada de uma maneira que divas da "nova MPB", como Vanessa da Mata, jamais sonharão em ter. Nos últimos tempos, abandonou seu pior vício, os trinados agudíssimos que herdou do sertanejo (com todo o respeito a papai, Sandy confessa que hoje em dia não tolera muito esse gênero de música). Ela canta até dois tons abaixo de seu registro anterior. "Não tenho mais vontade de gritar", diz. Esse tipo de abordagem pode levar a um show frio, contido demais. O trunfo de Sandy é sua longa experiência. "Quando eu tinha 13 anos, ia cantar em festas de rodeio e ouvia barbaridades do público masculino. Não tem muita coisa que me assuste no palco", afirma ela. Do currículo da artista constam várias apresentações para mais de 100 000 fãs, e uma para 250 000 pessoas no Rock in Rio de 2001. Isso significa traquejo não só para lidar com platéias dispersas ou mal-educadas, mas também para se equilibrar entre números românticos e animados. Talvez o maior legado de seus tempos de estrela adolescente, encantada com Celine Dion e Mariah Carey, seja a certeza de que um show precisa entreter, ser espetáculo. "Existe uma certa cultura na música brasileira de que tudo tem de ser pequenininho. É uma coisa humilde, minimalista. Eu não acho que tudo tem de ser pequeno. Não quero voltar a ser a Celine Dion, mas também não pretendo ser a Sandy bossa-nova", diz ela. Às vésperas de anunciarem a gravação do Acústico MTV e, posteriormente, a dissolução da dupla, Sandy & Junior renovaram contrato com a gravadora Universal. O álbum ao vivo seria o primeiro de três discos a ser lançados pela companhia. Há boas chances de que os contratos das carreiras-solo sejam renegociados com a mesma gravadora. O novo vínculo não traria muitas diferenças em relação ao atual. Fazia tempo que Sandy & Junior tinham carta-branca para gravar o que quisessem, com os produtores de sua preferência. É o tipo de liberdade concedida apenas a artistas com uma base de fãs muito sólida – como Marisa Monte, que Sandy elogia. "Marisa sabe o que tem de fazer para se posicionar no mercado. Canta bem, compõe bem, tem uma pureza para compor que não é boba, mas sofisticada. Fui ao último show dela e fiquei bem impressionada", diz. Vinda de outra cantora de 24 anos, essa avaliação teria um toque de reverência. Não é o caso com Sandy. "O que eu e o Junior fizemos é único no cenário brasileiro. Eu tenho certeza disso", afirma a cantora. A ver se, como hoje falam de Marisa Monte, no futuro falarão de uma escola Sandy de interpretação.

Nenhum comentário: