quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Eu e o maior guitarrista do pós punk

Nunca fui de pedir autógrafos. Não se trata de esnobismo, mas fico meio encabulado de apontar uma caneta e um bloco em direção a um artista que eu admire e intimá-lo a colocar uma assinatura e escrever uma dedicatória. Talvez seja reflexo dos meus tempos de segurança no aeroporto de Congonhas, quando eu via um monte de tietes profissionais perseguirem a Xuxa ou algum cantor do momento. Nas poucas vezes que pedi um autógrafo, o fiz com a ajuda da minha mãe, Dona Neusa, que me conseguiu uma assinatura da Clara Nunes num pôster do clube Portuários, de Santos (e tal e qual um tiete ostentação, guardei com carinho no caderno da escola); a maestrina Maria Schneider assinou a minha cópia de Sky Blue como um agradecimento pelas nossas conversas no festival de jazz de Ouro Preto e pela gentileza de busca-la no aeroporto de Congonhas e levá-la até Guarulhos em segurança – tarefa que desempenhei ao lado de Inez Medaglia. O meu pedido de autógrafo mais emocionado, no entanto, foi para John McGeoch.
McGeoch foi guitarrista do grupo de pós punk inglês Magazine e tocou nos meus discos prediletos de Siouxsie & the Banshees (Kaleidoscope, Juju e Kiss in a Dreamhouse). O que eu mais admirava nele era sua qualidade de combinar a agressividade do punk com a capacidade de criar belas melodias e fraseados de guitarra. Em meados dos anos1980, tentou uma virada pop com The Armoury Show, que tinha em sua formação o vocalista Richard Jobson e o baixista Russell Webb, ambos ex-Skids (grupo escocês de pós punk e new wave) e o baterista John Doyle que, como McGeoch, tinha integrado o Magazine. Embora tenha lançado um disco competente, em 1987 McGeoch já tinha se bandeado para o Public Image Ltd. (PIL), de John Lydon. E era bom de braço: numa entrevista que deu para a BIZZ, em 1987, ele contou que teve um trabalhão para tirar os solos e fraseados do virtuose Steve Vai – que participou de Album, disco do PIL de 1986.
Em 1992, John McGeoch veio com o Public Image para o Brasil. Ele participou da entrevista coletiva juntamente com Mike Joyce (ex-baterista dos Smiths, que integrou a última fase do PIL) e John Lydon. Ah, Lydon... Aqui, vale uma pequena explicação. Qualquer entrevista que conte com a presença de John Lydon é uma aula de insultos e imprecações. Ela é tão comum e obrigatória quanto as reclamações de João Gilberto em relação ao sistema de som das casas em que se apresenta. A coletiva paulistana não foi diferente. O evento em São Paulo não foi diferente. “Words!”, gritou Lydon para os repórteres que o aguardavam. Como ninguém se manifestou, ele simplesmente se virou para a tradutora e disse: “Estou péssimo. Cheirei a noite toda. Não, não é para você traduzir isso.” Cada questão era acompanhada por uma solapada de Lydon. Eu o provoquei dizendo que o público que ia ao show era composto apenas de fãs dos Sex Pistols. “Se isso for verdade, meu caro, seu país está dez anos atrasado em relação ao resto do mundo!”, vociferou. Um fotógrafo perguntou então por que ele adorava dar respostas cretinas. “Ora, vocês estão aqui POR CAUSA DAS MINHAS RESPOSTAS CRETINAS”, metralhou. 
John McGeoch ficou ali, no canto dele, escutando as ofensas de Lydon. Mike Joyce tentou fazer piada dizendo que tocava bateria (há quem diga que a verdadeira piada foi ele achar que TOCA bateria) e dizer que “não tinha tocado em nenhuma banda importante.” Finda a entrevista, eu me aproximei de McGeoch e fuzilei: “Você é o maior guitarrista da história do pós punk!” “Jura? Muito obrigado. Eu acho que gravei alguns discos bons, não?”, disse ele. McGeoch assinou uma folha do meu bloco de anotações, que até hoje decora meu exemplar em vinil do Juju. Chateado, disse que nunca entendeu por que havia sido demitido de Siouxsie & the Banshees (mistério que desvendei em 1994, quando falei com Siouxsie e Severin e percebi que eles eram intratáveis). O melhor daquela manhã, no entanto, foi eu e ele tocando air guitar e fazendo com a boca o riff de Monitor, uma das minhas canções prediletas dos Banshees. A conversa se encerrou porque ele tinha de almoçar e eu precisava voltar para o jornal – o fechamento me aguardava. À noite, o PIL se apresentou no Palace onde McGeoch, além de mostrar suas habilidades na guitarra, revelou-se um contorcionista de primeira, ao desviar da chuva de cuspes disparada pelo público.
Com o final do PIL, em 1992, McGeoch engatou alguns projetos, mas nunca alcançou a projeção do seu período pós punk. Três anos depois, ele foi trabalhar como enfermeiro e fazia trilhas ocasionais para a televisão. Morreu no dia 04 de março de 2004. Tinha 48 anos. Influenciou guitarristas como Johnny Marr e The Edge, além do polivalente Jonny Greenwood, do Radiohead. Mas aposto que nenhum deles teve a primazia de fazer “air guitar” e “vocal guitar” com John McGeoch.
https://www.youtube.com/watch?v=rAoLW3Mdt4o

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