quarta-feira, 25 de abril de 2007

De Budapeste a Kingston

Semana passada tive uma das muitas discussões musicais acaloradas - quer dizer, TODOS meus debates musicais são acalorados - com um dos meus companheiros de serviço. Em determinado momento, ele disparou: "Mas poxa, Sérgio, você gosta até de axé music!" Sim, eu gosto de axé. Quer dizer, acredito que em meio a quatrocentos quaquilhões de porcarias despejadas nos últimos vinte anos, existem pelo menos seis músicas boas, com letras acima da média e uma boa interpretação. É o caso, por exemplo, de Vem Meu Amor, que fica bem seja na versão do Olodum ou na de Ivete Sangalo, e Prefixo de Verão - que nem o refrão aê aê aê, que denota uma certa ausência de ligação neural, consegue estragar. Mais do que gostar de axé music, soul, dub, funk, música clássica etc, eu gosto de música. Sou daqueles que acreditam que existem apenas dois tipos de canções no mundo: as boas e as ruins. Por conta da minha crença, cometo loucuras. Como viajar de Budapeste a Kingston. Explicando melhor: na terça-feira, dia 17 de abril, fui conferir a Budapest Festival Orchestra na Sala São Paulo. Após o concerto, sai correndo para o Via Funchal a fim de assistir à apresentação do jamaicano Lee Perry - rei dos reis, pai do reggae, padrasto do dub e etc e tal.
A Budapest foi criada em 1983 pelo maestro húngaro Iván Fischer e pelo pianista e compositor Zoltán Kocsis. Fischer, 56 anos, é quem dá as cartas. Três anos atrás, eu o assisti à frente da mesma Budapest no Teatro Cultura Artística e fiquei impressionado com seu estilo enérgico de reger e com o bom gosto na escolha do repertório - que foi de uma sinfonia manjada do romântico Schubert à intrincada Jogo de Cartas, de Stravinsky. A minha admiração por Iván Fischer aumentou depois que o ouvi reger a Segunda e a Sexta sinfonias de Mahler, em CDs que até hoje têm alta rotação na minha casa. São duas das melhores versões disponíveis no mercado, podem acreditar. Na Sala São Paulo, Fischer e a Budapest Festival Orchestra atacaram com Schumann e Beethoven - a famigerada Quinta Sinfonia. A leitura de Fischer é muito diferente da de um Daniel Barenboim (cuja turnê eu tive o prazer de acompanhar dois anos atrás). Ao Barenboim carrega nos metais e destaca alguns instrumentos como o oboé e o contrabaixo. Já o húngaro é pouco afeito a detalhes. Porém, Fischer compensa essa falta de minúcia com uma energia de outro mundo. Os espaços entre os movimentos praticamente foram ignorados - para a infelicidade da "turma da tosse", aquele pessoal que freqüenta as salas de concerto especialmente para fazer barulho entre um intervalo e outro. No bis, Fischer e a Budapest tocaram um compositor "da casa": Bártok. Aqui, um tostão da performance de Fischer regendo Rachmaninoff
http://www.youtube.com/watch?v=pIVRvcLg9Xo
E vamos a Lee Perry... Bem, existem dois Lee Perry. O primeiro é aquele que todo fã de reggae aprendeu a amar. O produtor Lee Perry, que criou o reggae ao desacelerar as canções jamaicanas da época. O homem que enterrava na areia os discos que produzia porque cria que a experiência resultaria num som de baixo mais abissal. O sujeito que pegou o dub, criação do engenheiro King Tubby, adicionou outra boa dose de loucura e experimentos de estúdio e influenciou uma geração inteira de produtores de música eletrônica. O gênio cuja banda tinha integrantes que foram brilhar nos Wailers, de Bob Marley (a sessão rítmica formada pelo baixista Aston "Family Man" Barrett e pelo baterista Carlton Barrett) e no grupo de Peter Tosh (Robbie Shakespeare e Sly Dunbar, o Coutinho e o Pelé do reggae). Pois é, esse Lee Perry não deu as caras.
O Via Funchal assistiu ao outro Lee Perry. Um velhinho bacana, engraçado, munido de um turbante que o deixava parecido com um personagem de O Senhor dos Anéis. Perry tocou ao lado de uma banda competente e sua performance se limitou a acenos para platéia e letras mastigadas no estilo jamaicano - que dizer, eu poderia jurar que ele cantou em patois, o omelete verbal do pessoal da Jamaica. Mas vai saber... No repertório, poucos clássicos. War in a Babylon, I Wish It Would Rain (clássico do grupo de soul Temptations), One Drop e Crazy Baldhead do bom e velho Marley... O baixista era bom, mas senti falta de tesão. Parecia que o bom velhinho estava mesmo atrás do nosso dinheiro... Veja aqui e confira se estou certo. Para mim, Lee Perry foi música ruim.
http://www.youtube.com/watch?v=hKjOczawWK8

4 comentários:

Renata D'Elia disse...

Pois eu confesso, do alto da minha pose rock n´roll, que adoro as duas canções do Axé que você destacou. E que hoje, por exemplo, ouvi Rolling Stones e Bizet na sequência. Pronto, falei!

Anônimo disse...

vai ver o skatalites?

Sergio Martins disse...

Renata, eu acho que o melhor exemplo de como apreciar música foi dado por um jamaicano chamado Bob Marley: "Music is Music." E no domingo passado repeti a dose: saí da ópera A Filha do Regimento, de Donizetti, para chacoalhar a cabeça ao som do Motörhead.
Skatalites, Leandro? Tô lá, rapaz!

Anônimo disse...

blz. vou na quinta.