terça-feira, 29 de maio de 2007

O efeito Morricone

Faz sete anos que fui abduzido pela música erudita. Em abril de 2000, fui para a Alemanha fazer uma reportagem sobre a Filarmônica de Berlim. O que eu vi e ouvi na Philharmonie, sede da orquestra, até hoje reside no meu cérebro e disputa lugar com as melhores lembranças dos meus quarenta anos de vida. Comandada pelo maestro austríaco Nikolaus Harnoncourt, a filarmônica atacou uma Oitava Sinfonia, de Anton Bruckner, com uma voracidade inédita - a introdução, em que os cellos, violinos e contrabaixos vão crescendo na sua frente, bota qualquer apresentação de thrash metal no chinelo. Fiquei tão obcecado que passei a colecionar diferentes versões da peça. De Harnoncourt, que tinha assistido em Berlim, a Pierre Boulez, que deu um ar mais moderno à peça e encurtou sua execução, a ponto de caber em apenas um CD. De Herbert von Karajan, cuja versão levou a Filarmônica de Viena aos céus, a Sergiu Celibidache. Famoso pela lentidão com que rege concertos e sinfonias, Celibidache me deu o prazer de saborear cada nota da obra de Bruckner. Minha experiência com a Filarmônica de Berlim me proporcionou a correr atrás de outros momentos inesquecíveis na música erudita. Me deliciei com a versão de Claudio Abbado e da Filarmônica de Berlim para a Sexta e Sétima sinfonias de Beethoven, pude conferir Daniel Barenboim preparar uma orquestra para a execução de obras de Mahler, Beethoven e Wagner. Entre os brasileiros, me recordo com carinho de From the Transmigration of Souls, réquiem para as vítimas do atentado de 11 de setembro, composta por John Adams e regida pelo paulistano Roberto Minczuk. A récita do compositor e maestro Ennio Morricone no dia 05 de maio no Theatro Municipal do Rio de Janeiro pertence a este clube seleto.
Para quem não conhece, vamos a uma pequena introdução. Ennio Morricone, 79 anos, é um dos maiores compositores de trilhas sonoras em todos os tempos. Os cinéfilos o conhecem pelas parcerias com o cineasta Sergio Leone - que rendeu temas lindos como Era Uma Vez no Oeste e Era Uma Vez na América -, mas Morricone criou música para filmes de Rolland Joffé (A Missão), Giuseppe Tornatore (Cinema Paradiso) e Dario Argento. Ele também é dono de uma respeitável carreira no campo erudito. Para quem deseja conhecer mais dessa faceta, recomendo a audição da caixa Io, Ennio Morricone, em que os temas para o cinema dividem espaço com sinfonias, sonatas e concertos.
Por incrível que pareça, a récita tinha tudo para dar errado. O público do Theatro Municipal suportou a apresentação de um ator da Globo de quinta categoria - escolhido apenas porque arranhava o italiano -, das bobagens proferidas por José Wilker e pelo discurso do ministro da Cultura Gilberto Gil, que a cada dia que passa se sente mais à vontade no posto de bobo da corte do governo Lula. Gil reduziu Morricone a "maestro tropicalista" e aproveitou o momento para fazer divulgação de Ó Paí Ó. Aliás, é incrível como todo artista da Tropicália considera a Bahia a mãe de todos os gêneros musicais - numa recente entrevista, Carlinhos Brown disse que os baianos foram os inventores da distorção na guitarra elétrica.
Bem, vamos a Morricone. Ele é um excelente compositor e um maestro mediano. Um amigo meu, regente do primeiro time, me segredou que falta precisão aos movimentos de Morricone e que a Petrobrás Sinfônica - orquestra que o acompanhou naquela noite teve dificuldades em entender sua regência. Mas cá entre nós: isso importa quando temos a chance de ver um gênio em ação? Como não se emocionar com a melodia singela de Cinema Paradiso (que ele incluiu a pedidos do público brasileiro)? Como ignorar o cruzamento de música clássica, rock e western de Três Homens em Conflito? Ou então acreditar piamente na existência de Deus - sou católico não praticante, mas creio no homem de lá de cima - quando o tema principal de A Missão invadiu o Theatro Municipal? Pois naquela noite, as composições de Ennio Morricone passaram a morar no meu cérebro. Dividem a mesma cama com a Oitava Sinfonia, de Anton Bruckner. Ao lado, três grandes momentos de Morricone.
http://www.youtube.com/watch?v=SQlKI0LM70I

http://www.youtube.com/watch?v=PldBiGCVjIM

http://www.youtube.com/watch?v=qQ3u3fTG70Q&mode=related&search=

Um comentário:

Pedrita disse...

gosto muito do morricone. beijos, pedrita