segunda-feira, 29 de março de 2010

Os metaleiros também choram

Steve Kudlow e Robb Reiner são dois canadenses fracassados. Kudlow, mais conhecido pelo apelido de Lips, é entregador de merenda escolar e Reiner faz pequenos consertos. A única alegria de Lips e Reiner é sua banda, Anvil, que nos anos 80 foi candidada ao primeiro escalão do heavy metal. O pouco conforto dos dois cinquentões é tocar em qualquer buraco que lhes seja oferecido, no sonho de poder, ao menos, transformar a música em ganha-pão. As memórias, as aventuras e, acima de tudo, as decepções da dupla fazem de The Story of Anvil (Estados Unidos, 2008) imperdível. A produção, que foi exibida nos dias 19 e 28 em São Paulo, foi o principal destaque do In-Edit Brasil, que apresenta documentários musicais. Apesar do Anvil ser uma banda de heavy metal, o filme dirigido por Sacha Gervasi não é uma produção sobre o gênero. É uma história sobre amizade, persistência e a dificuldade de aceitar o próprio fracasso.
Onde quer que seja exibido, The Story of Anvil provoca reações emocionadas. O ator Dustin Hoffman, por exemplo, chorou e pendurou-se no pescoço do baterista Reiner após assistir à produção. "É o cara do filme Papillon?", perguntou em seguida o baterista (pois é, a única referência de Dustin Hoffman é de um filme lançado há 37 anos: Lips e Reiner são o estereótipo do metaleiro desconectado da realidade). O choro de Hoffman tem razão de ser. Em uma hora e meia de documentário, a dupla do Anvil vive todo tipo de humilhação. A família os aconselha a largar o sonho de viver de rock; a empresária é uma italiana que mal sabe balbuciar uma frase completa em inglês e não faz reservas de trem e avião (o resultado são horas de espera em estações e aeroportos); numa apresentação na cidade de Praga, o contratante quer pagar o cachê em goulash; e Lips vai trabalhar como atendente de telemarketing para bancar a gravação de um novo CD. Sucesso, para eles, é tocar no Japão, de tarde, para uma plateia minguada.
O cineasta Gervasi é um velho amigo da banda. Nos anos 80, trabalhou como assistente de palco do Anvil (e, segundo confissão do próprio, perdeu a virgindade com um fã do grupo); Gervasi tocou bateria em grupos de rock pesado e grunge, mas só tomou rumo na vida quando foi estudar cinema na Universidade da Califórnia. Anos mais tarde, tornou-se roteirista de O Terminal, produção dirigida por Steven Spielberg. Em 2004, Gervasi retomou contato com os amigos do Anvil. "Eu sabia que eles não tinham feito sucesso, mas desconhecia a situação desesperadora na qual se encontravam", diz ele. Decidido a fazer um documentário sobre seus amigos de adolescência, Gervasi convidou Lips para jantar com a produção Rebecca Yeldham. Ela se convenceu a bancar o projeto depois de Lips dizer à dupla que jamais havia entrado naquele restaurante pela porta da frente - mas trabalhara como entregador para o estabelecimento, apanhando as sacolas na porta dos fundos.
Gervasi acompanhou o Anvil por dois anos. Ele teve o bom senso de não maquiar os piores momentos da banda e captou, com rara sensibilidade, a indivisível amizade de Lips e Reiner (durante uma briga, Lips, com o rosto empapado de lágrimas, diz um "eu te amo" capaz de emocionar até o pior detrator do heavy metal). A repercussão de Story of Anvil rendeu frutos ao cineasta. Ele vai dirigir dos projetos, sendo que um deles, My Dinner With Hervé, fala do jantar "felliniano" (as aspas são de Gervasi) que teve com Hervé Villechaize, o Tattoo do seriado A Ilha da Fantasia. Já o Anvil... Bem, eles continuam tentando. Em 2009, abriram os shows da turnê do AC/DC nos Estados Unidos. "Recentemente, passei duas horas em Nova York e fui cumprimentado por 27 pessoas!", diz Lips. Mas nada é garantido.

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