segunda-feira, 29 de março de 2010

O Império dos Coxinhas

Chris Martin é um sujeito exemplar. Vocalista e líder do Coldplay, que desembarca essa semana no país para apresentações no Rio de Janeiro e em São Paulo, ele não perde a chance de ajudar os mais necessitados. No fim de 2009, leiloou antigos instrumentos pela internet para arrecadar fundos para uma instituição que cuida de menores carentes. No mês passado, fez o mesmo com uma jaqueta autografada, para auxiliar as vítimas do terremoto no Haiti. Martin raramente fala mal de outros artistasm mesmo quando é provocado - e quando o faz, arrepende-se. Nas letras do Coldplay, o amor é lindo (ou amarelo, como prega Yellow, um de seus maiores sucessos). "Não sou bonzinho. Quando terminar a entrevista, irei para a rua e darei um soco na primeira velhinha que vir pela frente", disse Martin, em entrevista à VEJA. Nem precisa dizer que era brincadeirinha. Melódico, o Coldplay é a melhor banda a fazer essa linha "macho delicado". Já a choradeira do cantor James Blunt e de grupos como Keane e Travis com frequência ultrapassa a linha do suportável. Díspares no talento musical, esses artistas pertencem todos à mesma família espiritual: são os coxinhas. Muito empregado em sites de música e cultura pop, o termo designa o roqueiro bom moço (veja exemplos abaixo), cuja música se livrou de qualquer traço da agressividade que em priscas eras fazia do rock um gênero musical temido por pais de adolescentes.
O pop nunca viveu sem coxinhas - até os Beatles, nos primeiros anos de sucesso, tiveram sua fase coxinha, entoando "she loves you yeah yeah yeah" com terninhos aprumados. Anos atrás, a revista americana Blender traçou a genealogia do pop wussy - palavra que literalmente se traduz como "maricas" mas que, com alguma liberdade, pode ser equivalente a "coxinha". O pioneiro, na década de 50, foi o cantor Pat Boone, que consagrou o estilo "roqueiro para casar". Nos anos 70, o cantor James Taylor foi o coxinha-mor, com suas baladas suaves (ainda que os temas fossem pesados: Taylor falava de seu vício em drogas). No pós punk dos anos 80, a melancolia queixosa de Robert Smith, líder do grupo The Cure, e a correção política militante de Bono, do U2, deitaram as fundações para o atual império dos coxinhas.
Os tempos de hoje favorecem o modo de vida coxinha. A rebeldia roqueira desgastou-se, e público nenhum aguenta ser insultado por bandas cuja apresentação no palco é claudicante (foi por isso, aliás, que o Oasis, que nos anos 90 se anunciava como a nova onda britânica, não conquistou o mercado americano como o Coldplay fez). O pop, além disso, acomodou-se à correção política (e sexual). A ostenteção priápica de um Mick Jagger, de de canções que marcaram os anos 70 como Whole Lotta Love, do Led Zeppelin, não têm lugar no rock atual, que ficou um tanto emasculado. O músico coxinha, aliás, quase nunca fala abertamente em sexo. Uma exceção é a recente entrevista do guitarrista John Mayer à Playboy americana. Praticamente de um pop com um pé no blues e outro na água com açúçar, Mayer tenta sacudir sua fama de bom moço - mas o faz de modo ainda hesitante. De um lado, admitiu gostar de pornografia ("antes do café da manhã") e falou de sua relação com a cantora Jessica Simpson ("sexo com ela era como crack: viciante"). Mas ele também se declarou ainda apaixonado por outra ex-namorada, a atriz Jennifer Aniston (celebrizada por Friends, outro seriado coxinha). Mayer disse que hoje prefere a masturbação ao sexo. E, como todo bom coxinha, já se arrependeu do que falou. Pediu desculpas por ter emprego, na revista, a palavra nigger, considerada racista.
A manifestação mais extrema desse fenômeno é a onda emo, com suas bandas tristonhas e afetadas. A mais notória é a Fall Out Boy, que recentemente eviscerou Beat It, de Michael Jackson, em uma cover sem alma na qual John Mayer toca guitarra. Os emos, porém, são uma tribo, um nicho do pop. O domínio coxinha é mais amplo. Com 40 milhões de discos vendidos no mundo (550 000 no Brasil), o Coldplay puxa o cordão dessas criaturas ternas. É por causa do sucesso, aliás, que Chris Martin se sente obrigado a participar de campanhas de caridade. "A vida sorriu tanto para nós, e por isso sentimentos vontade de ajudar outras pessoas", diz o cantor. Fofo - e oleoso - feito uma coxinha..

SEM PIMENTA E SEM GRAÇA
O Coxinha e suas características

Evita falar mal de outros músicos - e, quando o faz, se arrepende
Depois de responder ironicamente a uma crítica de Liam Gallagher, líder do Oasis, Chris Martin, do Coldplay, passou uma noite inteira evitando encontrar-se com o desafeto em uma festa de premiação inglesa.

Faz a linha "homem sensível" - ou seja, é um chorão
Canções como You're Beautiful, de James Blunt, falam de amor com muito melado e pouca pimenta.

Quer ser reconhecido como "artista" e protesta quando os fãs o chamam de "bonitinho"
O guitarrista John Mayer gostaria de ser o novo Eric Clapton, mas está mais para o irmão mais velho dos Jonas Brothers

Está sempre envolvido em causas politicamente corretas
O trio Keane aderiu ao War Child, projeto que cuida de órfãos da guerra]

2 comentários:

flexa disse...

Cara esse seus posts são muito legais. Leio seu trabalho na Veja de vez em quando e queria saber um pouco mais do que é critica musical. E não me veja como um bajulador por favor, ok? rs GOstei mesmo do que li. Queria saber se vc não me passaria mais dos seus textos...

Sergio Martins disse...

Me manda um email para smartins@abril.com.br
A gente combina de bater um papo.