quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Um cantor para se descobrir

Às vezes, gostar de certos artistas é como pertencer a uma seita secreta. Você fala o nome do seu objeto de admiração numa festa, rodeado de pessoas aparentemente cultas, e ninguém dá a mínima. Minutos depois, um dos integrantes do grupinho se aproxima de você e cochicha: "Sim, eu conheço aquele artista. E gosto muito?" Em seguida, o rapaz da roda - e agora, seu confidente - enumera os concertos assistidos e os discos comprados do artista.
Rodrigo Rodrigues, morto em abril de 2005, era um desses seres admirados em segredo. Nos anos 1980, ele formou o Música Ligeira ao lado de Mario Manga, guitarrista do Premeditando o Breque (um grupo cujos seus admiradores também parecem pertencer a uma seita secreta). O grupo, que mais tarde arregimentaria o baixista e violinista Fabio Tagliaferri, tinha uma proposta musical inovadora - o que limitou razoavelmente o número de fãs. O Música Ligeira fazia releituras de standards de jazz, sucessos da música pop e clássicos da MPB, sempre com um gostinho de inovação. Uma música de Nelson Cavaquinho, por exemplo, poderia ganhar guitarras e Paul McCartney poderia ser tocado ao som de tamborim.
Seis anos atrás, Rodrigo Rodrigues iniciou as gravações de seu primeiro disco, Fake Standards. O álbum ficou seis anos à espera de uma gravadora para ser lançado de modo decente. No final do ano passado, Ronaldo Bastos, dono do selo Dubas e um dos raros executivos da indústria do disco que gosta de música, topou a empreitada. Fake Standards está à disposição de todos. O disco é uma lição de bom gosto e musicalidade. São catorze regravações, a maioria de clássicos do jazz - a mais novinha é Caramel, de Suzanne Vega, que foi influenciada pela bossa nova, que foi influenciada pelo jazz. Rodrigues canta que é um absurdo. Não tem sotaque e muito menos afetações caetânicas. Conhece cada letra a fundo, o que evita interpretações mal cuidadas (recentemente eu assisti a um show em que Summertime, uma das canções mais tristes dos Gershwin, virou um funk alegre; deu vontade de matar o artista a dentadas).
Outro fator impressionante em Fake Standards está na originalidade das versões. Elas têm a ousadia das releituras do Música Ligeira combinadas com o bom gosto musical de Rodrigues. Bem, Fake Standards está nas lojas, à disposição de quem gosta de boa música. Não precisa e muito menos deve ser admirado em segredo.

Um comentário:

Denise Alvarez García disse...

Adorei a postagem! Rodrigo é tudo mesmo! Adorei "afetações caetânicas. Seu blog é muito legal e é para quem gosta de boa música!