sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

No palco com Madonna

Na quinta-feira passada, em Buenos Aires, Madonna lançou mão de uma única frase em espanhol ao falar com os 60 000 fãs argentinos que assistiram à sua apresentação no estádio de futebol do River Plate. "Estoy linda?", gritou ela à multidão. Nem todos concordarão com a escolha da palavra. O que não se pode negar é que, com seu corpo diminuto esvaziado de qualquer gordura e mais musculoso que nunca, Madonna conquistou uma extraordinária presença física. Algo que os brasileiros também poderão comprovar entre os dias 14 e 20, quando a cantora americana sobe ao palco no Rio de Janeiro e em São Paulo, quinze anos depois de sua única passagem anterior pelo país. Mais do que sobre transgressão, sexo ou espiritualidade, temas constantes em sua carreira, o show Sticky & Sweet (Grudento & Doce) é uma celebração do corpo – e do corpo de Madonna especialmente, seu vigor e tenacidade aos 50 anos. Ela se contorce em coreo-grafias variadas, caminha incessantemente por uma plataforma de 17 metros e até mesmo pula corda, numa demonstração cabal de condicionamento aeróbico, durante quatro minutos da canção Into the Groove. Embora o show dure exata uma hora e meia, ninguém duvida quando Madonna afirma, num dos versos da canção Heartbeat, que "é capaz de se manter acesa a noite inteira". A impressionante forma física que permite que Madonna, aos 50 anos, continue a estrelar o tipo de megaespetáculo que burilou em mais de duas décadas de carreira, é um trunfo particularmente importante no atual momento da indústria musical. Em anos recentes, a internet demoliu o modelo tradicional de negócio das grandes gravadoras. A venda de discos caiu e os shows ganharam relevância inaudita como fonte de receita para os artistas. Em outubro do ano passado, Madonna deixou sua gravadora de longa data, a Warner, e ligou-se à Live Nation, uma das principais promotoras de shows dos Estados Unidos. "Se o paradigma mudou, eu, como artista e mulher de negócios, também tenho de mudar", declarou a cantora ao assinar o contrato que lhe rendeu 120 milhões de dólares (25 dos quais em ações da companhia). A turnê Sticky & Sweet foi o primeiro fruto da parceria. Estima-se que vá render a soma recorde de 280 milhões de dólares (a marca anterior também era de Madonna: 193 milhões de dólares com Confessions Tour, de 2006). O contrato com a Live Nation estende-se por dez anos. Será mesmo que Madonna espera manter esse pique aos 60? Alguém dirá que Mick Jagger faz exatamente isso – mas ninguém sabe se a mesma boa vontade reservada pelo público a um "dinossauro do rock" vai se estender a uma diva do pop. Dada sua proverbial capacidade de se reinventar, não é improvável que a cantora desenvolva no futuro uma nova fórmula de apresentação. Por enquanto, continua fazendo o que se pede dela, com a excelência que astros mais jovens de seu segmento não conseguem alcançar. Vários desses astros, aliás, pagam tributo a Madonna em Sticky & Sweet. O palco, que leva cinco dias para ser montado, conta com diversos telões de alta definição, nos quais Justin Timberlake, Kayne West, Pharrell Williams e Britney Spears aparecem para dialogar com a cantora (no meio de tanta dança e agitação, esses são, aliás, os únicos momentos em que ela pára para respirar). Embora quase tudo no show seja coreografado e cronometrado, deixando pouco espaço para improvisações, pequenas mudanças vêm sendo feitas no decorrer da turnê. Em suas primeiras apresentações, por exemplo, Madonna dedicava a canção Miles Away aos "emocionalmente retardados" – uma referência ao cineasta inglês Guy Ritchie, com quem discutia os termos de um divórcio. Recentemente, o casal chegou a um acordo. Ritchie desistiu de embolsar uma parcela da fortuna da cantora, estimada em cerca de 400 milhões de dólares. Divergências sobre a maneira de educar os filhos também parecem ter sido superadas. A farpa dirigida ao ex-marido desapareceu do show. (E, como o tema é vida amorosa, sites e colunas de fofoca dão por certo que o jogador de beisebol Alex Rodriguez, com quem Madonna estaria tendo um caso, virá se juntar a ela nesta semana, no Brasil.) Outro elemento deixado de fora é um trecho do vídeo que acompanha a interpretação de Get Stupid. Nesse vídeo estapafúrdio, há imagens de líderes e celebridades "malvadas" e "benignas". Durante a campanha presidencial americana, o candidato republicano John McCain foi incluído no primeiro time, ao lado de carniceiros como Hitler e Pol Pot, enquanto o candidato democrata Barack Obama aparecia na companhia do Dalai-Lama e de Madre Teresa de Calcutá. Definida a vitória de Obama, Madonna, a magnânima, condescendeu em retirar McCain do rol dos monstros. Em sua passagem pela América do Sul, contudo, a cantora não abriu mão de uma agenda política. Na Argentina, encontrou-se com a presidente Christina Kirchner e com Ingrid Bentancourt, a política colombiana que passou seis anos como prisioneira das Farc. No Brasil, deve encontrar-se com o presidente Lula. E daí? E daí nada. Como disse o jornal britânico The Guardian, o verdadeiro gênio de Madonna está em seu corpo. Todo o resto é mera distração.

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