sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Hora da revanche

A extravagante Lady Gaga vem fazendo sucesso com suas performances esquisitas - apareceu lambuzada de sangue falso em uma premiação da MTV - e com seu visual de Madonna atropelada por um caminhão. Tornou-se a primeira artista a emplacar quatro singles em um CD de estreia - The Fame - na parada pop americana. Seu novo disco, The Fame Monster, que chega às lojas brasileiras nesta semana, traz o mesmo repertório do trabalho anterior, acrescido de oito músicas. Entre as canções novas, está Alejandro, uma mistura de ritmos latinos com batidas eletrônicas cuja letra é dedicada a escorraçar um ex-namorado: "Não diga meu nome, Alejandro / Eu não sou sua garota / Não quero beijar você, não quero tocar você / Só quero fumar meu cigarro e ficar quieta". Por mais que se pretenda inovadora, Lady Gaga chegou tarde: nos últimos tempos, várias cantoras vêm promovendo acertos de contas com seus ex. Os termos com que elas falam dos relacionamentos que naufragaram não são mais os lugares-comuns da mágoa e da dor de cotovelo. A mensagem básica é algo na linha "não preciso mais de você, seu palhaço". Em Rated R, seu disco mais recente, Rihanna exorciza o relacionamento com o rapper Chris Brown (que a espancou). Diz que foi estúpida ao amá-lo, mas garante que agora está mais "durona". Até as muito jovens Taylor Swift e Miley Cyrus, de 19 e 17 anos, acusaram, veja só, a imaturidade dos namorados. "Falei algo que te fez correr como um coelhinho assustado?", pergunta Taylor. A pioneira do confronto direto e franco com o ex talvez seja a cantora de blues Bessie Smith (1894-1937). Bissexual e chegada a um amor bandido, ela certa vez flagrou outra cantora agarrada ao marido e não deixou por menos: estapeou a sirigaita e atirou no homem. Em Foolish Man Blues, ela define o caráter de um ex-amante em termos pitorescos: "sinuoso feito um saca-rolhas e perverso feito uma cobra". As divas do jazz das gerações seguintes, porém, não eram de chutar a canela (nem partes mais sensíveis) de seus homens. Certas canções de Billie Holiday chegam a ser masoquistas, declarando amor incondicional a amantes que a maltratavam. A tristeza e o desamparo, e não a vingança, dão o tom mais corriqueiro às canções sobre separação. Até mesmo Carly Simon, já nos feministas anos 70, ao acusar a ridícula megalomania de um ex-namorado (o ator Warren Beatty) em You¿re So Vain, acaba lamentando a maneira como ele costuma deixar para trás as coisas que ama - inclusive ela própria. Na mesma década, uma das canções mais populares da disco, I Will Survive, cantada por Gloria Gaynor, falava de uma pessoa abandonada que dava a volta por cima. Ela se consagrou como um hino de liberação sexual, das mulheres e principalmente dos gays - e o despeito pelo ex ficou em segundo plano. A revanche ganha tons estridentes nos anos 90, com You Oughta Know, da canadense Alanis Morissette. "Você pensa em mim quando está com ela na cama?", a cantora perguntava, ensandecida, ao homem que a deixou. Especulou-se muito sobre quem teria inspirado a canção - Matt LeBlanc, ator da série Friends, foi um dos nomes cogitados -, mas Alanis nunca abriu o jogo. Hoje, uma Lily Allen consegue ser até mais cáustica do que Alanis - e com mais graça. "Você não é esperto / Não, você não é bem-dotado, meu caro", canta ela em Not Big. O deboche não tirou completamente a dor nem o sofrimento de campo - mas não há dúvida de que, mesmo quando machucadas, as mulheres se mostram mais assertivas. Em uma música do recente disco The Fall (A Queda), sobre o fim de um romance com o músico Lee Alexander, Norah Jones diz: "Você acabou comigo". Em outra faixa, porém, ela recupera a autossuficiência: vai para casa sozinha e despluga o telefone. Miley Cyrus, estrela da série adolescente Hannah Montana, também evita o telefone - no caso dela, o celular: "Se você mandar um torpedo, eu vou deletar", avisa ao ex na música 7 Things. E ainda desmerece a turma dele: "Seus amigos são uns imbecis". É bom que os namorados de artistas (ou seus fãs) andem na linha: a revanche pode ser humilhante.

Como as cantoras falam de relacionamentos que deram errado

Amor cafajeste
As divas do jazz nos anos 30 e 40 eram meio masoquistas: sabiam que a relação ia acabar mal, mas entravam nela de cabeça. Em Fine and Mellow, Billie Holiday cantava: "Meu homem não me ama / Me trata tão mal... / Mas quando ele começa a me amar / Ele é tão bom e doce"

Fossa profunda
A música romântica dos anos 50 e 60 trazia uma visão mais idealizada do amado - e o rompimento era mais exagerado. Julie London chorava rios de lágrimas no sucesso Cry Me a River e Dionne Warwick, em Walk On By, dizia ao ex: "Me deixe sofrer sozinha". As duas músicas, aliás, foram compostas por homens

Feminismo magoado
Do fim dos anos 60 em diante, as cantoras começam a se colocar em pé de igualdade com os homens. Carly Simon ataca a vaidade do ex em You¿re So Vain - mas ainda sofre pacas: "Você desistiu das coisas que mais amava, e eu era uma delas"

Rancor roqueiro
Na esteira do grunge, o rock raivoso de Seattle, a canadense Alanis Morissette compôs um marco da quebradeira de pratos em You Oughta Know, de 1995. "Você pensa em mim quando está com ela na cama?", pergunta a cantora (e, no original, os termos não são tão elegantes)

Ressentidas, mas com graça
A safra mais recente de cantoras, como Lady Gaga e Taylor Swift, faz músicas para constranger os antigos namorados. "Você não é grande / Você não é esperto / Não, você não é bem-dotado, meu caro", debocha Lily Allen em Not Big

2 comentários:

Lucas Jeison disse...

Olá Sérgio!
Gostei muito de seu blog. Esse texto sobre o ontem/hoje da visão feminina nas canções está sensacional. Faltou apenas uma citação as cantoras brasileiras- com menção honrosa a Alcione e o amor incondicional aos cafajestes professado nas letras que interpereta... brincadeira!
Abraço.

Denise disse...

Adorei o texto! Acho que eu faria o tipo ressentido com graça, classe e charme, claro!